A primeira vista, o filme “L'Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância” (França, 2011 – 122 minutos) pode parecer uma espécie de “pornô disfarçado”. No entanto, e apesar dos nus femininos aqui e acolá, o filme é “redondinho, redondinho”. Sexo, só com todo mundo vestido – e muito bem vestido. Mas isso não tira o mérito da película. Mesmo porque, sexo é o de menos. O que se conta, aí, é a decadência – e o fechamento – de um grande bordel, na Paris do século XIX, e, em última análise, conta-se, a reboque, a decadência de uma influência cultural francesa no mundo.
Com uma esmerada reprodução de época, o diretor Bertrand Bonello abre as portas de um mundo, para muitos de nós, secreto – e, porque não, mítico: o de uma casa de prostituição, em que vivem meia dúzia de belas mulheres, sempre sorridentes e bem vestidas, prontas a servir clientes de cartola e fraque. É um mundo surreal, onde, aparentemente, não existe a noção de espaço e tempo e impera a liberdade dos sentidos.
Esse “éden terrestre”, no entanto, está com os dias contados: muito sabiamente, Bonello começa o filme em uma contagem regressiva, no apagar das luzes do século XIX, mais precisamente, em 1899. Parece haver, aí, um pacto subjacente de silêncio em que prostitutas e clientes parecem querer aproveitar os últimos minutos de algo que, no fundo, sabem que vai acabar.
O filme retrata muito bem a decadência da casa: é possível ver, em várias cenas, as flores que murcham, a mudança nos figurinos dos clientes e o tédio das prostitutas; os móveis que vão rareando, até o simbólico apagar da luz vermelha, sinônimo não apenas do fechamento do estabelecimento, mas de um ciclo de influência cultural francesa no mundo.
País que ditava a moda e os costumes, a França começa a perder a dianteira no início do século XX, época em que acaba a história de Apollonide, em 1901. Conhecida pelos seus cafés, seus teatros e, por que não, por seus luxuosos bordéis, Paris também sofreu uma desglamourização cultural, máxime nesta chamada “pós-modernidade” ou “contemporaneidade”, em que vemos a perda da dimensão do simbólico e o culto às individualidades, fazendo com que, de fato, aquela “Cidade Luz” se perca na História – e no imaginário coletivo.
Engana-se quem acha que Bonello não explorou as dimensões humanas das suas personagens: Apollonide não tem um protagonista, mas um grupo de. São as “meninas” da casa, cada qual com seu drama pessoal: Clothilde, com 28 anos, já está “velha” para o “trabalho” e se afunda no ópio; Samira se desespera ao ler um livro, emprestado por um cliente, sobre uma tese “científica” que compara o crânio das prostitutas aos dos ladrões, tudo bem ao gosto do determinismo da época;
Pauline tem sorte de não ter nenhuma “dívida” com a dona do bordel e, provavelmente, é a única que goza de alguma liberdade lá dentro; mas o caso mais interessante é o de Madeleine, a mais bela, mutilada por um cliente facínora que rasga seus lábios, logo no começo do longa, forçando os cantos de sua boca num eterno sorriso, o que a apelida de “A mulher de ri”, tudo inspirado na novela “O Homem que Ri” (1869) de Victor Hugo, mostrando como até mesmo um rosto sorridente pode disfarçar uma profunda tristeza.
“L'Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância” é feito para ser degustado com calma. É muito comum ouvir dos não iniciados no cinema francês que este tem a pecha de “chato”. Nada disso! As cenas são todas feitas em composição, forçando o espectador a prestar atenção nos detalhes. Não há correrias, nem explosões, nem reviravoltas mirabolantes. O que se quer, aqui, é chamar a atenção ao demasiadamente humano.
A casa de tolerância é um microcosmo dos dramas particulares das personagens, em que tudo é um mundo de aparências: uma falsa liberdade, uma falsa felicidade, um falso sorriso; tudo é efêmero e deliciosamente intrigante. Com o fechamento da casa, as prostitutas vão para a rua, num apelo que acontece em muitas cidades, de Paris a New Dehli. A História continua a mesma, é só o invólucro que muda. Seja na Belle Époque ou nos dias atuais. Filme recomendável.
(Texto do escritor Anaximandro Amorim)
Obrigado Ricardo e pessoal da direção do blog "Outros 300". Espero que todos que leiam essa resenha curtam bastante o filme como eu curti! Sds. a todos, Anaximandro.
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