Ser um roqueiro pressupõe ao menos algum tipo de comportamento transgressor. A figura da estrela do rock é, por definição, e assim tem sido durante toda a história do gênero, a do homem de cabelos compridos, barba malfeita, visual largado, que enche a cara, usa drogas, e tem todas as mulheres do mundo a seus pés. Os Beatles passaram por essa fase, e os Rolling Stones, então, nem se fala. Bob Dylan e Neil Young, idem. O mesmo valia para o glam rock, nos anos 1980, e para o rock alternativo nos 90, década em que o baterista David Eric Grohl se juntou a uma das bandas que mudariam a história do rock para sempre: o Nirvana, extinto com a morte do vocalista Kurt Cobain, em 1994. Hoje, Dave, como é chamado por todos, é uma estrela e lidera um dos grupos mais importantes da atualidade, o Foo Fighters. Mas, do estereótipo de rock star, só lhe sobraram os cabelos longos e a barba. Casado, pai de família e dono de um carisma invejável dentro e fora dos palcos, Grohl é considerado “o cara mais legal do rock”. É uma espécie de novo Paul McCartney, melhor dizendo.
A simpatia do músico é o fio condutor de duas biografias que saem este mês no Brasil: Dave Grohl - Nada a Perder (tradução de Tony Aiex, Edições Ideal, 240 páginas, 35 reais), de Michael Heatley, uma versão atualizada do livro lançado em 2006 nos Estados Unidos e ainda inédito aqui; e a nova This Is a Call: A Vida e a Música de Dave Grohl (tradução de Texto Editores, Editora Leya, 400 páginas, 39,90 reais), de Paul Brannigan, que saiu em 2011 nos EUA e chega agora ao Brasil. Os dois autores são fãs de Grohl e sabem muito sobre o músico. Heatley ainda tem a vantagem de ser um expert em biografias de roqueiros, com livros sobre Bon Jovi, John Lennon e Paul McCartney, entre outros, no currículo. Mas é Brannigan, crítico de música britânico que chefiou a revista Kerrang! em sua melhor fase, quem leva a melhor no trabalho de narrar a trajetória do líder do Foo Fighters. Ainda que profissional, a relação que construiu com ele ao longo dos quase 20 anos em que escreve sobre música o permitiu se aprofundar na história de Grohl. E tirar dele citações ótimas. Não por acaso, uma delas – “Me ligaram e disseram que Kurt tinha morrido. Perdi o rumo” – virou a capa do livro, que compila entrevistas.
“Dave é um cavalheiro. Quando disse a ele que queria fazer o livro, propus que fizéssemos uma biografia autorizada, mas ele não gosta da ideia. Diz que não quer ter uma biografia enquanto estiver vivo. Mas tudo o que precisei fazer, entrevistas e fotos, ele deixou. Essa história do cara mais legal está se tornando um clichê, mas, até que eu conheça alguém mais legal, está valendo. Dave é gente boa mesmo, genuíno, e não só com as pessoas com quem tem de ser bacana. Ele fala com fãs, estranhos e jornalistas do mesmo jeito. Isso é raro, especialmente na música”, diz Brannigan ao site de VEJA.
O autor, é claro, pertence a dois desse grupos. É jornalista e é fã, o que torna a leitura agradável e menos fria para quem não é do meio. Em uma passagem, Brannigan relata a visita que fez à casa de Grohl durante a gravação do álbum Wasting Light, lançado no ano passado. O encontro aconteceu na garagem da casa do músico, no estado americano da Virginia. “Não pude ficar mais tempo, porque eles estavam no meio da gravação e eu poderia atrapalhar. Mas foi muito legal ver as fotos na parede dele, entrar lá e dar de cara com todos aqueles equipamentos de gravação. Muita gente duvida que ele fez o disco todo na garagem, mas é verdade”, conta o autor.
Relevância – Em tempos em que faltam estrelas do rock, Grohl é uma raridade. Embora o Foo Fighters tenha demorado para conquistar status entre os grandes, e ainda há quem duvide que possua, o mérito é todo do músico. Em diversas entrevistas, e conforme Brannigan relata em This is a Call, Grohl ficou transtornado após o suicídio de Cobain. O músico tirou alguns meses para se recuperar, mas, sem ver outra saída para esquecer a morte do amigo, alugou um estúdio de gravação e fez, ali, as músicas que viriam a compor o disco de estreia do Foo Fighters, lançado em 1995. Era o começo de um projeto-solo, que ganhou forma de banda ao longo do tempo.
Desde o começo do Foo Fighters, vários músicos entraram e saíram do grupo, até que ele finalmente ficou completo em 1999, com o baixista Nate Mendel, o baterista Taylor Hawkins e o guitarrista Chris Shiflett – há dois anos, o também guitarrista Pat Smear, que fazia turnê com o Nirvana, se juntou à banda, da qual já havia participado nos anos 1990. No documentário Back and Forth, lançado no ano passado, os músicos culpam o perfeccionismo de Grohl pelas mudanças, algo que Brannigan confirma. “Dave é muito meticuloso”, afirma.
Se o perfeccionismo e a dedicação de Grohl o ajudaram a construir sua fama e a do Foo Fighters, sua habilidade em se juntar a nomes poderosos contribuiu para que o músico fosse visto com seriedade. Uma delas, com o Queens of the Stone Age, banda liderada por Josh Homme, merece crédito especial. A parceria iniciada no começo dos anos 2000 deu fôlego a Grohl, que pensava em acabar a banda após Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters e seu amigo, ter uma overdose quase fatal de remédios, e ainda lhe rendeu um projeto paralelo prestigioso, o Them Crooked Vultures, no qual toca ao lado de Homme e do baixista John Paul Jones, ex-Led Zeppelin. Todos seus amigos do peito. Além de admiradores, é claro. São detalhes como esses que fazem de This Is a Call, a biografia, a confirmação de que Dave Grohl é mesmo “o cara mais legal” do rock.
Informações: Carol Nogueira/ Ricardo Salvalaio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário