sexta-feira, 11 de maio de 2012

LICENÇA CRÔNICA: ANTONIO ROCHA NETO


Antonio Rocha Neto é economista, cronista, filósofo e membro da Academia de Letras Humberto de Campos (Vila Velha). Confira, abaixo, a crônica “Da esfericidade das bolas”, que foi publicada no livro "Pequeno Discurso Sobre a Feiura":

DA ESFERICIDADE DAS BOLAS

Prostrados à frente da televisão, no auge de um penoso processo digestivo no calor de uma tarde de sábado, após enfrentarem com afinco uma tentadora feijoada preparada pela esposa e mãe, pai e filho assistem um programa esportivo. Quando o pai já estava quase desacordado, vê-se desperto pelo filho, a comentar, de olhos fixos na tv:

- Pai, o locutor está dizendo que eles estão jogando com uma bola!

- Ô filho, você me acordou para comentar o óbvio?

- Pois a mim não me parece óbvio que aquilo ali seja uma bola. Bola, até onde eu sei, tem que ser redonda; aquilo ali é oval. Se for assim galinha não bota ovo, bota bolinha. E se oval pode ser tomado por redondo, retangular pode ser tomado por quadrado, e por aí afora.

O pai, professor de Filosofia, instigado pela questão, observa:

- É, tá certo ......., mas talvez o conceito de bola não seja assim tão restrito quanto você o está tomando. Vai ver que, serviu para praticar esporte, quicou e rolou e sai um monte de gente disputando sua posse, é bola. Mesmo que não seja redonda. Sei lá....... pega o “Aurélio” e procura a definição.

De posse do dicionário, o filho lê:

- “bola - .....1. Qualquer corpo esférico. .......3. Artefato esférico de borracha ou de outro material, freqüentemente envolto em couro, feltro, etc, que, em geral, salta por efeito da elasticidade, e é usado em diversos esportes. ......”

- Pois é meu filho, a esfericidade é portanto parte constitutiva do ser das bolas. As bolas não são redondas por acidente; a esfericidade constitui sua própria essência, quer dizer, aquilo que se lhe for suprimido lhe suprime a própria existência. Aspectos contingentes como o material de que é feita, sua cor, seu tamanho, podem ser modificados sem alterar sua natureza, sua “bolidade”, vamos assim dizer. Do ponto de vista epistemológico, numa abordagem wittingensteiniana, poderíamos até mesmo .......

- Calma lá pai, olha a empolgação! Traduz e resume isso aí que eu não sou seu aluno não!

- Aquilo ali não é uma bola!

7 comentários:

  1. Parabéns, Antônio R. N.!

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  2. Muito bom, Antônio! Obrigado por mais essa crônica.

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    1. Obrigado Rodrigo, ela é uma das que compõem o livro, que uma hora dessas chegará às suas mãos! Abraço!

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  3. Muito legal! Gosto muito dos textos do Antônio! Eu me lembrei daquela série de quadros do Magritte, em que ele diz "Ceci n'est pas une pomme" ou "Ceci n'est pas une pipe". Legal o grau de abstração de pai e filho, que variam com a idade! Ótimo e divertido texto!

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  4. Grande Antonio Rocha Neto. Meus parabéns. Só agora estou tendo contato com suas crôniocas. Parabéns velho amigo.
    Augusto César Monjardim (Careca)

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