Anaximandro Amorim (1978) é escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES. Confira, abaixo, a crônica “O Palácio que era meu”:
O PALÁCIO QUE ERA MEU
O eterno retorno talvez seja a idéia mais embaraçosa de Friedrich Nietzsche. A relação entre a finitude do quantum de massa com a eternidade do quantum de energia, certamente, foi uma titubeante tentativa deste filósofo em desarmar os adeptos do idealismo, no que concerne à questão da metafísica. Eu confesso que jamais entendi direito esta idéia até o dia em que pus os pés naquelas ruínas... Certamente, o antigo atrai. Mais ali foi mais que um simples déjà vu. Foi quando consegui entender, na prática, o que Nietzsche quis dizer.
O Palacete da Santa Clara, provavelmente, foi um incompreendido capricho de um poderoso. Um capricho de luxo e ostentação, com seu augusto panteão de colunas gregas, em círculos, guardados por uma águia, em seu frontão. Um capricho que deveria ser de glória – e o foi. Mas de glória efêmera, seguida por uma agonia aguda, que selou para sempre o seu trágico destino.
Quão belo era o meu palácio! Meu, por que não? Por favor, conceda-me, antes de mais nada, esta licença poética! Porque eu subi naquelas escadas duas vezes, ou talvez vinte, ou duzentas! Eu dancei no salão de baile, eu toquei no belo piano que ali havia, divertindo as moças, enquanto os homens fumavam suas cigarrilhas debruçados no parapeito da varanda, vendo os paquetes rasgarem, calmos, as águas da baía de Vitória.
Mas ao tempo, Deus deu habeas corpus, como na lição machadiana, esquecendo de dar piedade: porque nada sobrou do meu palácio, logo após a construção de um feio anexo, que apressou-lhe a morte. E, por uma suposta falta de “serventia” e pelas diversas transformações que passou, fruto de um uso indevido, jamais pude tocar meu piano de novo. Seu garbo, desde então, foi-se para sempre, virando passado.
Agora restam somente suas escadas, tomadas pelo musgo, uma única coluna da varanda, na qual, certamente, já me recostei para uma prosa e algumas paredes, depredadas, testemunhos mudos do descaso e da indiferença. E tudo foi diminuído a tralhas incômodas dum imóvel qualquer que parece assombrar aqueles que não lhe entendem o valor.
Restou somente uma história. E nada mais.
Como quisera que Nietzsche estivesse errado...
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