domingo, 26 de agosto de 2012

ENTREVISTA COM NELSON RODRIGUES

 

Quem acompanha o blog deve saber que os domingos são destinados às entrevistas. Nesse meio tempo entrevistamos as mais variadas personalidades artisticas do estado, desde figuras já consagradas até o pessoal que ainda busca maior espaço. Contudo, a entrevista de hoje não foi feita pela gente e também não é de um artista capixaba.

Ainda em meio às comemorações pelo centenário de Nelson Rodrigues abrimos espaço hoje para três entrevistas do grande mestre. Nelas o escritor abre seu coração e fala sobre política, jornalismo, Brasil, pessimismo e, claro mulheres e futebol. As entrevistas são imperdíveis (duas para a TV e uma, imperdível, dada a Clarice Lispector). Confira:

Para Otto Lara Resende em 1977


Para o Fantástico em 1978




Entrevista de Nelson Rodrigues para Clarice Linspector - Um raro momento!

Clarice Lispector: como entrevistadora, extraia mais o “humano” do que o “explosivo”. Às vezes conseguia fazer os escritores falarem o que queria. Será que conseguiu isso de Nelson? Confira abaixo.


"Avisei a Nelson Rodrigues que desejava uma entrevista diferente. É um homem tão cheio de facetas que lhe pedi apenas uma: a da verdade. Ele aceitou e cumpriu."
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Clarice: Você é da esquerda ou da direita?
Nelson: Eu me recuso absolutamente a ser de esquerda ou de direita. Eu sou um sujeito que defende ferozmente a sua solidão. Cheguei a essa atitude diante de duas coisas, lendo dois volumes sobre a guerra civil na História. Verifiquei então o óbvio ululante: de parte a parte todos eram canalhas. Rigorosamente todos. Eu não quero ser nem canalha de esquerda nem canalha de direita.
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Clarice: Nelson, você se referiu à solidão. Você se sente um homem só?
Nelson: Do ponto de vista amoroso eu encontrei Lúcia. E é preciso especificar: a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal.
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Clarice: Ah, Nelson, isto é tão verdadeiro.
Nelson: Mas diante do resto do mundo eu sou um homem maravilhosamente só. Uma vez fiquei gravemente doente, doente para morrer. Recebi em três meses de agonia três visitas, uma por mês. Note-se que minha doença foi promovida em primeiras páginas. Aí, eu sofri na carne e na alma esta verdade intolerável: o amigo não existe.
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Clarice: Nelson, como consequencia de meu incêndio, passei quase três meses no hospital. E recebia visitas até de estranhos. Eu não sou simpática. Mas o que é que eu dei aos outros para que viessem me fazer companhia? Não acredito que não se tenha amigos. É que são raros.
Nelson: Ou eu dou muito pouco ou os outros não aceitam o que tenho para dar.
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Clarice: Mas você tem sucesso real - e sucesso vem quando se dá alguma coisa aos outros. Você dá.
Nelson: Eu tenho o que chamaria de amigos desconhecidos. São sujeitos que eu nunca vi, que cruzam comigo numa esquina, numa retreta, num velório. Certa vez fui a uma capelinha ver um colega morto. Eram duas horas da manhã. Uma mocinha saiu do velório ao lado com um caderninho na mão. Fez uma mesura para mim e disse: "Quero ter a honra de apertar a mão do autor de A vida como ela é." E me pediu o autógrafo. Eu senti que estava vivendo um momento da pobre ternura humana. Eis o que eu queria dizer: o amigo possível e certo é o desconhecido com que cruzamos por um instante e nunca mais. A esse podemos amar e por esses podemos ser amados. O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência.
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Clarice: Mas Hélio Pellegrino é seu amigo, e Otto Lara Resende é seu amigo.
Nelson: Não. Eu é que sou amigos de ambos. É possível que um de nós ame alguém. O difícil (não quero dizer impossível) é que esse alguém me ame de volta. Hoje, antes de vir a sua casa, almocei com Hélio Pellegrino, como faço todos os sábados. Por causa de uma opinião minha, ele, com a sua cálida e bela voz de barítono de igreja, dizia para mim: É mentira, é mentira! Nunca me ocorrera nesta encarnação ou em vidas passadas, chama-ló de mentiroso. Naquele momento ele pôs entre nós a mais desesperada e radical solidão da terra. Tal agressividade não devia existir na história da amizade. Cabe então a pergunta: e porquê? Resposta: é impraticável a discussão política nobre. Sempre que pensa politicamente o sujeito se desumaniza e dezumaniza os problemas. E o Otto nunca me deu um telefonema. Estou dizendo isso com a maior, a mais honrada, a mais inconsolável amargura.
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Clarice: Você fala em encarnação e vidas passadas. Você é esotérico? Acredita em reencarnação?
Nelson: Eu sou apenas cristão, se é que eu o sou. A única coisa que me mantém de pé é a certeza da alma imortal. Eu me recuso a reduzir o ser humano a melancolia do cachorro atropelado. Que pulhas seríamos se morrêssemos com a morte.
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Clarice: Mas aonde vai a nossa alma, depois de mortos?
Nelson: Aí está o mistério e o mistério não impede evidentemente que a alma seja imortal.
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Clarice: Nelson, em quantos empregos você trabalha escrevendo?
Nelson: Eu tenho três colunas diárias, obrigatórias (escrevo muito mais para atender a pedidos insuportáveis). Tenho duas crônicas no Globo, as "confissões" e Chuteiras imortais. No Jornal dos Sports faço também uma crônica de futebol. Quando vou escrever um romance ou uma peça de teatro estou em plena estafa e tenho que fazer um superesforço. Acho que minhas condições de trabalho são desumanas.
--------------- Clarice: Você está preparando algum romance ou peça de teatro?
Nelson: Eu tenho mil projetos romanesco e teatrais. Mas não tenho tempo físico para realizá-los.
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Clarice: Você se considera artisticamente um homem realizado?
Nelson: Não. Eu me considero inversamente um fracassado. Não me realizei e nem acho que alguém se realize. O único sujeito realizado é o Napoleão de hospício que não tem Waterloo nem Santa Helena.
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Clarice: Nelson, qual é a coisa mais importante do mundo?
Nelson: É o amor.
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Clarice: Qual a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo?
Nelson: É a solidão.
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Clarice: O que é o amor, Nelson?
Nelson: Eu sou um romântico num sentido quase caricatural. Acho que todo amor é eterno e, se acaba, não era amor. Para mim, o amor continua além da vida e além da morte. Digo isso e sinto que se insinua nas minhas palavras um ridículo irresistível, mas vivo a confessar que o ridículo é uma das minhas dimensões mais válidas.
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Clarice: Nelson, você tem dado muitas entrevistas. Todas elas se parecem com esta?
Nelson: Não, eu estou fazendo um esforço, um abnegado esforço, para não trapacear nem com você nem com o leitor.
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É preciso dizer que, durante a entrevista toda, ele não sorriu nenhuma vez. Com a verdade grave não se sorrir. Mas Nelson não tinha ainda dito o que queria quanto à pergunta: o que é o amor. Voltamos pois a ele.
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Nelson: Não estou me referindo ao sexo. O sexo sem amor é uma cristalina indignidade. Sempre que o homem ou a mulher deseja sem amor se torna abjeto. Uma mulher não tem o direito de se despir sem amor. Mesmo o bíquini, mesmo o decote, e repito, nenhuma forma de impudor é lícita se a criatura não ama. Se a criatura não ama, não pode usar biquíni, ousar certos decotes ou qualquer outra forma de impudor.
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Clarice: Você é um homem de sucesso. Até que ponto o sucesso interfere na sua vida pessoal?
Nelson: Não interfere justamente porque porque eu e Lúcia fundamos a nossa solidão.
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Clarice: Você gostou de me dar essa entrevista?
Nelson: Gostei profundamente. O que conta na vida são os momentos confessionais.
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*As entrevistas foram publicadas no livro: Clarice Lispector - Entrevistas, da Editora Rocco.

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