Poliana Rodrigues Castro natural de Vitória, capital do Estado do Espírito
Santo. É estudante de Ciências Contábeis e em 2001 participou da Coletânea
"Poetas da Esperança", idealizada e organizada pelo Rotary Club de
Vitória - Praia do Canto. “Eu sou uma
amadora, uma aventureira no mundo das letras, e amo ser amadora, e me aventurar
na junção de palavras e formação de frases, que para muitos podem não
significar nada e para outros podem ter algum sentido, enfim, escrevo por que
gosto, por que tenho o que escrever, é minha súbita loucura exposta em
palavras”, revela a autora. Confira, abaixo, o conto “Madalena”:
MADALENA
“A explicação da paixão está em uma garrafa de cerveja, ela sabe as
respostas da dor, a dor que no fundo não existe. Ela sabe seus desejos, desejos
induzidos, ela te ama e te hipnotiza, para lhe proporcionar prazer”.
Através da janela, escondido atrás
da cortina ele a observava, contemplava seu objeto de fascínio e desejo como
fazia todos os dias desde que se mudou para aquele lugar. Sua vizinha que
habita no apartamento da frente e que por ironia do destino possui a
localização do quarto estrategicamente em frente ao seu, proporcionando visões
cotidianas, às vezes tediosas e em sua maioria sexuais.
Marcos a contemplava sem remorso,
ela era sua Afrodite, sua Diana e todas as personificações possíveis de deusas,
e em sua fértil fantasia ela lhe pertencia, ele a possuía a todo o momento e
permitia a ela refestela-se com o outro, pois aquilo era seu prazer. Ele
escrevia todas as cenas que via e que imaginava da sua diva sem nome, haviam
páginas e páginas arquivadas com as histórias frutos de seus pensamentos, seus
sonhos e imaginação, sua musa inspiradora era para ele uma mulher
extraordinária e somente sua visão já o deixava totalmente exasperado pelo
tormento de não poder tocá-la.
Ele mal se alimentava pensando
naquela mulher intrigante, e quando o filme em sua janela se iniciava era o
paraíso, ele observava as curvas de seu corpo e seus movimentos rítmicos, subia
aos céus com a visão de seus seios que pareciam olhar para ele, sabendo de seus
segredos, de sua depravação. Escondia-se mais para não ser visto e sentia-se
cada vez mais febril de fome pela visão. Corria a seus textos e digitava
insanamente cenas que surgiam em sua mente, o fato é que ele nunca havia falado
com aquela mulher, nem sabia seu nome, mas a apelidara de Madalena, como uma
cigana ela o enfeitiçara com sua beleza, transformou-se em sua fonte de
inspiração, ele vivia por espera-la e escrever os acontecimentos sórdidos e
banais que sua mente fantasiava eram o alimento para seu espírito.
Entregou-se ao vício do álcool
como um refúgio para as vagas horas de espera e neste desespero inconstante e
surreal devaneou junto ao inconsciente, futilidades cotidianas.
...
─ O estomago rosna, grita insano, pedindo
saciação, pedindo feijão.
─ E a linda mulata atende tão prontamente, juntando a farinha, e saciando
a sede com o sangue de Baco.
─ Oh! Sangue doce este, haja fome! ─ Só não de sabe de que.
...
Diga-me como conseguistes arrancar um pedaço de mim, sem derramar
nenhuma gota de meu sangue.
Foi à forma mais cruel, foi intenso e segue sendo a forma mais sublime
de me matar.
Se posso viver só? A resposta é não.
Alimento-me das lembranças dos sonhos e do que não vivemos, mas que
imagino com perfeição.
Sigo sentindo amor e espero que sejas feliz.
Embriago-me no calor do vinho, e sinto desejos intensos como deve ser
uma paixão.
Espero por ti e sonho.
...
Permita-me sentir uma ultima vez o teu gosto e contemplar,
fotografando em minha mente cada milímetro de teu rosto.
E possuir como se fosse à primeira vez o teu corpo.
Perdoe essa minha alma escrava do desejo por ti
Que procura intensamente em outros corpos saciar a sede de sua saliva
Do cheiro de tua pele, do teu sabor proibido.
Liberta-me dessa obsessão de ter alguns instantes perto de você.
Liberte-se de mim, pois a loucura possuidora de minha alma destruíra a
todos.
Como faz em meu interior.
Porém, se por ventura, decidir mudar seus planos.
Devorarei tua carne e beberei teu sangue
E em sacrifício do meu amor por ti.
Permita-me imortalizar-te em mim.
(Fragmentos dos textos de Marcos)
Os dias eram frios... Apesar do
sol brilhante, os dias eram frios.
Marcos levantou naquela manhã como
sempre fazia, sua vida seguia uma rotina deprimente, sentia-se como um robô
programado para fazer sempre o mesmo, isso o estava corroendo, ele queria
gritar, dizer aos quatro cantos do mundo que se sentia parte de algo maior, que
não queria ser mais uma pessoa sem emoção, sem vida e sem lembranças de
momentos felizes. Queria viver sua vida de amor, de poesia, de música, arte e
boêmia, ele queria acordar cedo, ir a praia, produzir seus textos e lá pelas
tantas tomar uma cerveja, olhando as sereias que eram sua fonte de inspiração.
Mas o destino traiçoeiro e
brincalhão conduziu um enredo diferente para aquele humilde rapaz, o pobre moço
acorda com um barulhento despertador toda manhã, e segue esta rotina de segunda
a sábado. Sonolento caminha para o banheiro onde se apronta ligeiro, logo
depois toma um café requentado e vai todo apressado a quitanda do seu Zé dos
centavos.
Marcos pensa que a sorte é uma
víbora que brinca com os destinos, fazendo dos sonhos pó e do pó sonhos. Ele
que sonhara ser um escritor conhecido, e agora para continuar existindo, não
pode se dedicar totalmente ao que lhe proporciona prazer.
E por capricho do destino
conseguiu que seu Zé dos centavos homem conhecido por sua avareza, lhe
empregasse na quitanda do bairro; “Fome não passaria!”.
Todo dia Marcos trabalhava meio
expediente na quitanda e quando dava sua hora de partir sorria e se despedia,
caminhando de volta para o pequeno apartamento que dividia com um amigo
recente, um homem chamado Luiz.
As lembranças da forma como se
conheceram sempre o faziam rir, uma noite qualquer, em um bar por ai, estava
Marcos observando o movimento da noite, pessoas rindo, dançando, bebendo,
fumando e eis que de repente surge Luiz, pede licença para sentar-se com
Marcos, diz que não suporta beber sozinho, faz um comentário sobre a noite,
começam a discutir temas banais e logo descobrem que compartilham coisas em
comum.
A primeira coisa: ambos procuravam
uma casa para alugar com urgência, Luiz disse a Marcos que havia chegado à
cidade há alguns dias, que conseguiu trabalho em uma livraria e que estavam
hospedados na casa de parentes distantes, uns primos de sua mãe.
A segunda coisa: Possuíam recursos
escassos, o custo de vida naquela cidade era alto, mas ali a sorte sorria
melhor para todos, era arriscar ou conformar-se em não tentar e coragem não
faltava aos dois.
A terceira coisa: Precisavam de privacidade
para colocar seus planos em prática, Marcos para produzir, e Luiz pretendia
estudar, se especializar. Era um termo cômodo no acordo.
A quarta: Amavam a noite e toda a
magia e sensações que somente um copo de cerveja, uma conversa agradável e uma
bela melodia ao fundo podem proporcionar.
O acordo de unir forças foi
abençoado e logo conseguiram aquele apartamento no segundo andar de um prédio
antigo, em uma rua predominante de moradias, onde havia também uma padaria e um
bordel que ficava na esquina.
─ Ah! O
puteiro da Carlotinha.
Um
antro de ninfas do prazer, os antigos moradores da região contam que diversos
casamentos tiveram seus alicerces abalados depois que o bordel se instalou ali.
Marcos visitou o lugar uma vez junto com seu amigo Luiz, o lugar tinha uma luz
bruxuleante, finos tecidos estampados em tons vermelho e laranja se espalhava
pelo ambiente e tornavam a decoração do lugar excitante, nas paredes havia
alguns quadros com posições do kama sutra e uma reprodução de um quadro de Lautrec
onde há uma mulher de cabelos ruivos e de nádegas avantajadas agachadas. Era
realmente um convite a luxuria, ao pecado e ao prazer.
Carlotinha,
como era conhecida a dona do bordel, uma figura encantadora apesar de sua idade
já avançada, que Marcos nem ousava tentar estimar. Havia as moças que na casa
moravam e que foram apelidadas pelos frequentadores de “Filhas de Afrodite” por
proporcionarem prazeres mitológicos.
Ali era
um ótimo lugar para relaxar e aproveitar os prazeres da carne, isso para os
homens que apreciam a depravação e o prazer desvirtuado. Marcos não era casto,
mas tinha alma de poeta sonhador e idealizava viver um grande amor, evitava o
quanto possível ter relações que traiam esse princípio romântico de sua
natureza, mas gostava de ir ao puteiro da Carlotinha (como ele se referia ao
lugar), para se inspirar, para descrever poeticamente o pecado, a libido o
desejo que se apoderava do homem em sua forma mais devassa.
...
“Me Pergunto onde está a inspiração
Busco-lhe
Venha a mim
Para que minha alma obscura irradie a luz
da paixão
Luz que um dia brilhou, através das
palavras do coração”
...
Sentado como um rei observo
Desbravadores a procura de um tesouro
A fonte inesgotável de prazer
Com suas mãos escalam montes curvilíneos
Picos perigosos para os principiantes nas
artes do prazer
Estes afogam-se nas salivas lascivas e se
perdem
O caminho é longo e abundante ao oferecer a
mais bela vista que um homem pode querer
E quando a longa caminhada cobra seu preço
A sede vem queimando a garganta de uma
forma desesperadora
E ao encontrar a fonte da ninfa adorada
Esbaldar-se-á no âmago de sua adoração com
lábios ávidos
Língua nervosa, frenética por saciar-se
E ao ouvir o brado final
Recolhe enfim a ultima gota, sua recompensa
por sua expedição noturna.
(Fragmentos dos textos de Marcos)
De
volta ao reduto, Marcos aguardava em seu lugar estrategicamente posicionado a
aparição de sua madalena, e lá pelas tantas ela surgia, com sua beleza etérea,
longos cabelos negros como a noite, rosto sublime, angelical.
Ela
olhava pela janela em sua direção, como se pudesse vê-lo escondido pelas
frestas das persianas de sua janela. Madalena tirava sua roupa com um sorriso
misterioso nos lábios, um olhar intenso e safado e logo mãos começaram a alisar
seu corpo nu.
Aquelas
mãos pertenciam ao outro, o homem que sempre a possuía, seu marido.
Eram
cenas intensas que rasgavam o coração de marcos, estimulavam seu desejo e
desesperava seu ciúme, misturas de sentimentos controversos o possuíam de forma
tão intensa, e escrevia as imagens, o desejo, os sonhos em papéis
aleatoriamente.
Sua
rotina assim seguia desequilibrada trabalhava, vadiava, observava e escrevia. Com o passar do tempo as coisas
foram se tornando vazias, como se algo o consumisse e deixasse um buraco no seu
interior, pois o que o saciava, hoje provoca mais fome, uma vontade de mais,
sem saber mais do que.
E desta
forma preferia ficar observando Madalena sempre que podia, todos os dias,
obsessivamente, era o que aliviava suas emoções, a ideia de tê-la em seus
braços era avassaladora, um imã que o levava a loucura, todos os dias, mais e
mais.
Vislumbrava
em sua memória o corpo de Madalena, o seu rosto, suas curvas, imaginava o suor
escorrendo pelos seios enquanto ela deslizava suavemente em seus braços,
sussurros ao pé do ouvido, seu nome em uma voz feminina, doce, suave e arfante
e acordava do sonho como um adolescente na casa da puberdade.
Passaram-se
dias e meses nesta insanidade, até o fatídico dia, em que Marcos acordou
totalmente perdido no tempo, há tempos não via seu amigo Luiz, ambos seguiam
seus caminhos, e o de Marcos foi o da auto reclusão, sua necessidade de acompanhar
Madalena a distância. Naquela manhã porém Madalena não apareceu, e durante todo
o dia foi assim, Marcos pregado na Janela, aguardando uma visão de sua amada, e
não havia sinais dela no apartamento da frente.
O
desespero tomou conta de marcos que fez vigília durante toda a noite e na manhã
do dia seguinte, já tomado por uma loucura, saiu de seu apartamento decidido a
descobrir onde estava Madalena, desceu as escadas, passou pelo porteiro
acenando a cabeça, atravessou a rua, e encontrou-se diante do prédio de
madalena.
Cumprimentado
com um bom dia, sorriu ao porteiro e perguntou se ele saberia informar se a
moça que morava no prédio do terceiro andar estava em casa.
O
porteiro fez uma cara de surpresa e logo respondeu que há um ano não havia
ninguém morando no terceiro andar, perguntou se Marcos não estava enganado
quanto ao apartamento da moça em questão.
Marcos
convicto disso que tinha certeza que era no do terceiro andar, que era uma moça
de cabelos negros.
O
porteiro então o levou até o apartamento do terceiro andar, abriu as portas e
disse:
─ Este
apartamento está fechado, a família do antigo dono colocou a venda com tudo
dentro, mas quando as pessoas sabem da desgraça que ocorreu aqui, desistem,
ninguém quer comprar.
─A moça
que o senhor veio procurar é esta? ─ Perguntou apontando
para um porta retrato.
─ Marcos
viu a imagem de Madalena sem entender, ele tinha certeza que era ela.
─ O que
aconteceu? ─ Perguntou ao porteiro.
─ Em uma
noite, o marido ciumento a matou e se matou logo em seguida, foi uma tragédia.
Marcos
não acreditava nas palavras do porteiro, tentava encontrar uma resposta para
aquela loucura, foi andando pelo apartamento, entrou no quarto e olhou a janela
agora fechada, caminhou até ela e abriu, tendo a vista para seu quarto, e quando
olhou fixamente a viu, como se estivesse esperando por ele, no lugar onde
sempre a imaginou, em seu quarto.
Saiu
desatinado do apartamento, agradecendo ao porteiro enquanto ia desesperado ao
encontro de madalena, jogou-se a correr pela rua e foi atingido por um carro,
sendo lançado longe na calçada, Marcos desfalecendo olhou para sua Janela e viu
longos cabelos negros esvoaçados, seus escritos lançados ao vento, todo seu
trabalho caiam, alguns sobre seu sangue e ouviu uma gargalhada de Madalena e
antes de fechar os olhos e morrer ouviu a voz com que tanto sonhara sussurrar.
─ Agora
você é meu.
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