Joel Nobre Jr. Poeta marginal. Amante do bom e velho Rap, encontrou no
projeto ''Boca a boca’’ (Projeto que leva semanalmente cultura e arte através
do Rap e poesia ás comunidades Capixaba), a oportunidade de recitar e
compartilhar seus poemas. Mantém ao lado de Janio Silva e Juplin Jones, uma
página no facebook chamada literatura marginal ES (http://www.facebook.com/LiteraturaMarginalES),
onde pode ser encontrados todos os seus poemas. Confira, abaixo, o conto “Cela
48”:
Cela 48
São exatamente 03:20 de uma
madrugada quente, quinta-feira, mês de outubro de 2012.
Na cela 48 de uma penitenciária de
segurança máxima do Espírito Santo, encontra-se Marcão, no escuro, acordado em
meio a muitos outros companheiros de cela que dormem. Alguns poucos dormem em
camas, a grande maioria dorme no chão, inclusive Marcão, que como de costume
nesses seus dois anos como presidiário, não conseguiu dormir uma noite inteira.
Passa parte da madrugada refletindo sobre a vida.
Hoje, em meio a esse calor
infernal e a falta de espaço na cela, Marcão faz uma reflexão profunda. A sua
mente viaja a um passado distante. Ele lembra da sua infância. Garoto pobre, cheio
de sonhos e esperança de ter um futuro
bom. Ao lado do seu bom pai, Seu Zé, viúvo e pedreiro de mão cheia e calejada,
é que cresce Marcão.
Morador de uma periferia de
Vitória-Es, o humilde e esperto garoto tem o seu tempo dividido entre o estudo
pela parte da manhã e o trabalho a tarde, ajudando o seu pai. Seu Zé sempre se
preocupou muito com a educação de Marcão, exigia que o filho tirasse boas notas
na escola. Seu Zé tinha a responsabilidade de criar o filho sozinho, infelizmente
sua esposa havia falecido quando o garoto tinha apenas dois anos de idade.
A história daquele bom garoto, filho
do Seu Zé, foi se transformando quando ele atingiu a adolescência.Em meio a
milhares de dúvidas e o desejo de se sentir independente, o que é muito normal
na adolescência, Marcão buscou na prática respostas que mudariam radicalmente o
rumo da sua vida. Seu Zé sem saber ao certo o que fazer, pois não possuía
experiência no caso, acaba deixando Marcão em uma dúvida cruel ao ser informado
que haveria de escolher entre continuar morando com o seu pai e o ajudando no
trabalho ou permanecer com o seu vício.
De uma simples experiência, Marcão
acaba se tornando dependente químico.
Embora tenha sido uma decisão
difícil e dolorosa, pelo respeito e admiração que possuía pelo pai, Marcão
decide sair de casa. Os primeiros dias na rua criaram em Marcão sensações
distintas. Sensação de liberdade, não ter que dar satisfação para ninguém,
fazer o que vier na cabeça. Sensação de solidão, ele se encontrava distante da
única pessoa que realmente se importava com ele, e isso o machucava. Sensação
de está se tornando um prisioneiro. O dinheiro estava acabando e a vontade de
fumar pedra só aumentava.
Sem emprego e sem dinheiro, desse
jeito Marcão passa anos da sua vida sobrevivendo pelas ruas como andarilho. Pedinte.
Comendo restos de comida. Pedindo dinheiro e gastando tudo o que ganhava nas
ruas apenas para sustentar o seu vício. Em uma dessas suas andanças, Marcão por
acaso encontra-se pela primeira vez com Carlinhos, um cara viciado e que para
sustentar o seu vício praticava alguns assaltos. Dessa nova Parceria com
Carlinhos, Marcão recebe o convite de participar de um assalto que ocorreria a
um posto de gasolina naquela mesma noite.
Após algum tempo de resistência,
ele teria que decidir se engolia o orgulho e retornava a casa do seu pai,
cumprindo com suas exigências ou se jogava de vez na vida louca.
Ele escolheu participar do
assalto. Tudo pronto.
Carlinhos conseguiu as duas armas.
Agora é só esperar a noite cair.
Do outro lado da rua os dois
observam a movimentação no posto de gasolina, esperando o melhor momento para
entrar em ação.
“É agora’’, foi o que disse
Carlinhos quando viu que o posto estava quase vazio, apenas com um carro
abastecendo.
De acordo com o plano, tudo estava
acontecendo conforme eles esperavam.
Era só chegar, render o motorista
do carro, o frentista, levar os dois para dentro da loja de conveniência,
pegar todo o dinheiro e usar o carro do
cliente na fuga.
O Plano foi frustrado após
Carlinhos anunciar o assalto e receber um tiro do lado esquerdo do peito. Marcão
ao ver o amigo agonizando resolve corre e é atingido por um tiro nas costas, um
tiro no braço que o faz largar a arma e um tiro na perna que não o impede de
correr alguns metros, até cair e desmaiar.
No dia seguinte, Marcão ao abrir
os olhos no hospital, ficou surpreso ao ver seu pai sentado ao seu lado, olhando
fixamente para ele e alisando a sua cabeça; Ao virar-se para o outro lado do
quarto se depara com um policial que o observava.
-“É filho, o policial que estava
no carro reagiu ao assalto. Seu amigo acabou morrendo.Você deu sorte.’’ Foi o
que disse Seu Zé com tristeza no olhar.
Durante todo o período de
recuperação, Seu Zé diariamente estava com seu filho, coisa que não acontecia
durante os últimos anos. Infelizmente.
-“Sabe Marcos, desde quando você
saiu de casa, minha vida não é mais a mesma. Não consigo dormir, passo a noite
toda acordado, preocupado, imaginando aonde você está e o que está fazendo. Me
sinto um covarde por ter deixado você
partir. Eu poderia ter lutado junto com você contra o seu vício. Eu poderia ter
evitado tudo isso que aconteceu. Me faltou sabedoria’’.
-“A culpa não foi sua, pai. Eu fiz
as escolhas erradas. Eu escolhi sair de casa, escolhi participar do assalto, mas
agora não tenho mais a chance de escolher ser livre. Só estou colhendo as
consequências dos meus atos.’’
-‘’Então estamos colhendo as
consequências das nossas escolhas erradas’’. É o que retruca Seu Zé.
Esse foi o último diálogo entre os
dois antes de Marcão ser levado para cadeia, onde se encontra até hoje. Cela
48.
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