sexta-feira, 1 de março de 2013

LICENÇA PARA CONTAR: JOEL NOBRE JR.



Joel Nobre Jr. Poeta marginal. Amante do bom e velho Rap, encontrou no projeto ''Boca a boca’’ (Projeto que leva semanalmente cultura e arte através do Rap e poesia ás comunidades Capixaba),  a oportunidade de recitar e compartilhar seus poemas. Mantém ao lado de Janio Silva e Juplin Jones, uma página no facebook chamada literatura marginal ES (http://www.facebook.com/LiteraturaMarginalES), onde pode ser encontrados todos os seus poemas. Confira, abaixo, o conto “Cela 48”:

Cela 48

São exatamente 03:20 de uma madrugada quente, quinta-feira, mês de outubro de 2012.
Na cela 48 de uma penitenciária de segurança máxima do Espírito Santo, encontra-se Marcão, no escuro, acordado em meio a muitos outros companheiros de cela que dormem. Alguns poucos dormem em camas, a grande maioria dorme no chão, inclusive Marcão, que como de costume nesses seus dois anos como presidiário, não conseguiu dormir uma noite inteira. Passa parte da madrugada refletindo sobre a vida.

Hoje, em meio a esse calor infernal e a falta de espaço na cela, Marcão faz uma reflexão profunda. A sua mente viaja a um passado distante. Ele lembra da sua infância. Garoto pobre, cheio de sonhos e esperança de ter  um futuro bom. Ao lado do seu bom pai, Seu Zé, viúvo e pedreiro de mão cheia e calejada, é que cresce Marcão.
Morador de uma periferia de Vitória-Es, o humilde e esperto garoto tem o seu tempo dividido entre o estudo pela parte da manhã e o trabalho a tarde, ajudando o seu pai. Seu Zé sempre se preocupou muito com a educação de Marcão, exigia que o filho tirasse boas notas na escola. Seu Zé tinha a responsabilidade de criar o filho sozinho, infelizmente sua esposa havia falecido quando o garoto tinha apenas dois anos de idade.

A história daquele bom garoto, filho do Seu Zé, foi se transformando quando ele atingiu a adolescência.Em meio a milhares de dúvidas e o desejo de se sentir independente, o que é muito normal na adolescência, Marcão buscou na prática respostas que mudariam radicalmente o rumo da sua vida. Seu Zé sem saber ao certo o que fazer, pois não possuía experiência no caso, acaba deixando Marcão em uma dúvida cruel ao ser informado que haveria de escolher entre continuar morando com o seu pai e o ajudando no trabalho ou permanecer com o seu vício.

De uma simples experiência, Marcão acaba se tornando dependente químico.

Embora tenha sido uma decisão difícil e dolorosa, pelo respeito e admiração que possuía pelo pai, Marcão decide sair de casa. Os primeiros dias na rua criaram em Marcão sensações distintas. Sensação de liberdade, não ter que dar satisfação para ninguém, fazer o que vier na cabeça. Sensação de solidão, ele se encontrava distante da única pessoa que realmente se importava com ele, e isso o machucava. Sensação de está se tornando um prisioneiro. O dinheiro estava acabando e a vontade de fumar pedra só aumentava.

Sem emprego e sem dinheiro, desse jeito Marcão passa anos da sua vida sobrevivendo pelas ruas como andarilho. Pedinte. Comendo restos de comida. Pedindo dinheiro e gastando tudo o que ganhava nas ruas apenas para sustentar o seu vício. Em uma dessas suas andanças, Marcão por acaso encontra-se pela primeira vez com Carlinhos, um cara viciado e que para sustentar o seu vício praticava alguns assaltos. Dessa nova Parceria com Carlinhos, Marcão recebe o convite de participar de um assalto que ocorreria a um posto de gasolina naquela mesma noite.

Após algum tempo de resistência, ele teria que decidir se engolia o orgulho e retornava a casa do seu pai, cumprindo com suas exigências ou se jogava de vez na vida louca.

Ele escolheu participar do assalto. Tudo pronto.

Carlinhos conseguiu as duas armas. Agora é só esperar a noite cair.

Do outro lado da rua os dois observam a movimentação no posto de gasolina, esperando o melhor momento para entrar em ação.

“É agora’’, foi o que disse Carlinhos quando viu que o posto estava quase vazio, apenas com um carro abastecendo.

De acordo com o plano, tudo estava acontecendo conforme eles esperavam.
Era só chegar, render o motorista do carro, o frentista, levar os dois para dentro da loja de conveniência, pegar  todo o dinheiro e usar o carro do cliente na fuga.
O Plano foi frustrado após Carlinhos anunciar o assalto e receber um tiro do lado esquerdo do peito. Marcão ao ver o amigo agonizando resolve corre e é atingido por um tiro nas costas, um tiro no braço que o faz largar a arma e um tiro na perna que não o impede de correr alguns metros, até cair e desmaiar.

No dia seguinte, Marcão ao abrir os olhos no hospital, ficou surpreso ao ver seu pai sentado ao seu lado, olhando fixamente para ele e alisando a sua cabeça; Ao virar-se para o outro lado do quarto se depara com um policial que o observava.
-“É filho, o policial que estava no carro reagiu ao assalto. Seu amigo acabou morrendo.Você deu sorte.’’ Foi o que disse Seu Zé com tristeza no olhar.

Durante todo o período de recuperação, Seu Zé diariamente estava com seu filho, coisa que não acontecia durante os últimos anos. Infelizmente.
-“Sabe Marcos, desde quando você saiu de casa, minha vida não é mais a mesma. Não consigo dormir, passo a noite toda acordado, preocupado, imaginando aonde você está e o que está fazendo. Me sinto  um covarde por ter deixado você partir. Eu poderia ter lutado junto com você contra o seu vício. Eu poderia ter evitado tudo isso que aconteceu. Me faltou sabedoria’’.

-“A culpa não foi sua, pai. Eu fiz as escolhas erradas. Eu escolhi sair de casa, escolhi participar do assalto, mas agora não tenho mais a chance de escolher ser livre. Só estou colhendo as consequências dos meus atos.’’
-‘’Então estamos colhendo as consequências das nossas escolhas erradas’’. É o que retruca Seu Zé.

Esse foi o último diálogo entre os dois antes de Marcão ser levado para cadeia, onde se encontra até hoje. Cela 48.

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