Caê Guimarães nasceu no Rio de Janeiro em 1970. É jornalista, escritor e poeta. Publicou “Por Baixo da Pele Fria” (poesia/Massao Ohno Editor/1997), “Entalhe Final” (conto/Massao Ohno Editor/1999), “Quando o Dia Nasce Sujo” (poesia/SECULT, 2006) e De Quando Minha Rua Tinha Borboletas (crônica/SECULT, 2010). É colaborador do suplemento cultural Pensar, do jornal A Gazeta, onde publica crônicas quinzenais e comentários sobre livros. Desde 2009, vem flertando com a interface entre poesia, audiovisual e música eletrônica e apresentou trabalhos com esse formato na França e na Espanha e está sendo traduzido para o catalão e o francês. Confira, abaixo, a entrevista com o escritor:
1 – Olá, Caê. Primeiramente, como surgiram as artes em sua vida? Sua paixão foi diretamente pela escrita ou outros meios artísticos como a música e o cinema também a influenciaram?
Resposta: Difícil precisar quando as artes surgiram na minha vida. Mais fácil lembrar a primeira metáfora. Meu pai me ensinou a nadar nas águas frias da Praia da Costa. Meu avô nasceu na ilha de Paquetá e nadava muito bem, então ensinar o filho a nadar é uma herança paterna da minha família. A sensação que a água do mar gelada me causava era transferida para o chuveiro no quintal de casa. Ao fechar os olhos, me via em um naufrágio, afundando nas profundezas do oceano junto a destroços. Penso que até hoje o que faço é tentar traduzir o assombro que esse naufrágio ainda me causa. Essa foi minha primeira metáfora, obviamente identificada depois de adulto. Mas na adolescência comecei a me interessar por música e cinema. A literatura sempre esteve presente, por influência da minha avó materna, Carmem, uma argentina que lia muito e me apresentou o universo dos livros.
2 – Quem foram suas grandes influências? Teve algum texto em particular que te fez ter querer ser escritor?
Resposta: Os autores com quem dialogo, ou tento são, na poesia brasileira, Mário Faustino, João Cabral de Mello Neto, Ferreira Gullar, Murilo Mendes, Leminsk, Hilda Hilst e Sérgio Blank. Dos gringos, os russos Maiakovski, Klebnikov e Kamienski, os franceses Mallarmé, Jacques Prevet e Rimbaud e na língua inglesa, Yeats, William Carlos Williams, Hauden, Ginsberg, Ferlinghetti, Corso, uma lista bastante eclética. Na prosa, dos nossos vou de Raduan Nassar, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarisse. E da prosa internacional, digamos assim, Henry Miller, Dostoievski, Gunter Grass, Dante e Anthony Burguess. Mas listas são complicadas, ainda mais quando falamos dos afetos, aquilo que nos afeta. Aí, uma pá de gente fica do lado de fora. Mas esses são os escritores que contribuíram para que eu me compusesse, se não como autor, como homem.
3 – Você nasceu no Rio de Janeiro foi criado no Espírito Santo, mas também viveu por cinco anos entre Ouro Preto e Belo Horizonte. Porque dessas mudanças constantes? Você se acha um ser irrequieto? Quais as grandes diferenças – principalmente artísticas – entre Rio, Minas e ES?
Resposta: Também vivi dois anos em Aracruz. As mudanças foram motivadas por propostas profissionais, mas é claro que a inquietação provocou e incentivou esse nomadismo. A gente vive várias vidas em uma, e caminhar em linha reta nunca foi minha praia, tenho uma dose suave de labirintite que me faz andar em zig-zag, o que é bom para observar melhor as nuances do caminho. Sobre as diferenças entre estes estados, o que determina é, por um lado, a tradição da população em consumir arte e cultura. Das três, o Rio, ex-capital do império e da república, é a única que amalgama realmente isso. Os belorizontinos consomem muito a arte e a cultura produzidas em Minas. Isso implica em público, recursos, incentivos, circuitos. No Espírito Santo, vivemos uma aridez que parece infinda, não em termos de artistas e produtores, porque em todas as áreas há gente de grande talento aqui, e que sobrevive com heroísmo. Mas no que diz respeito ao mercado, ao consumo, aos espaços, aos circuitos, ainda estamos no período neolítico. E olha que se compararmos com o que havia há 20 anos, o salto foi imenso.
4 – Por ter visto, de perto, outras produções artísticas, você talvez tenha até mais facilidade em analisar. O que falta para termos um nicho artístico genuinamente capixaba? Por que parecemos sempre ter tanta influência dos nossos estados vizinhos?
Resposta: Sempre me pergunto sobre o que seria uma arte genuinamente capixaba. A arte é universal. Você pode ter uma tomada, uma mirada regionalista, como Adilson Vilaça fez tão bem em “Cotaxé”. Mas, ainda assim, trata-se de uma obra universal, a história narrada em “Cotaxé” poderia ter acontecido entre beduínos do Saara ou mongóis das estepes. Genuinamente capixaba são a panela de barro e a forma com que o congo é tocado aqui. E isso é cultura, não produção artística. A influência dos vizinhos, acredito, vem do hibridismo daqui, até os anos 60 a população era pequena, este é um estado de migrantes. O Espírito Santo viveu cerca de 300 anos estagnado, à sombra de tudo, com o intuito da Coroa Imperial fortificar as Minas Gerais. Historicamente, paga-se um preço por tudo e acho que esse é um dos preços que pagamos. A tal influência, que poderia até ser avaliada como falta de uma cara própria, o famoso sotaque que não temos, vem daí, possivelmente.
5 - Esse estilo, digamos, mais “provinciano” do nosso estado ajuda ou atrapalha no surgimento de novos artistas?
Resposta: Não é o estilo que é provinciano. Nós é que somos uma província, no sentido de estarmos na periferia dos acontecimentos artísticos. Mas acho que isso não interfere no surgimento de novos artistas. Atrapalha, isto sim, na permanência desses artistas como artistas. O tempo vem e se esse artista não encontra mercado, consumidores e interlocutores, ele acaba se inserindo no mercado de trabalho em outras atividades e a arte se torna um hobby, algo secundário, esporádico. E isso é lamentável.
6 – Você é autor de livros de contos e de poesias. Quais as grandes diferenças entre ambas? A junção poesia-conto num mesmo trabalho tem sido bastante recorrente ultimamente. O que você acha de tal estilo?
Resposta: E estou escrevendo meu primeiro romance. São universos, abordagens e possibilidades complementares, mas distintas. A diferença, no ato de produzir, seja poesia, prosa curta ou longa, é bastante grande. Debruçar-se sobre uma estrutura narrativa, construir personagens, diálogos, é um processo muito distinto de fazer poesias, onde tiro do abstrato e da minha realidade as substâncias que, como a água, se moldam a qualquer recipiente e infiltram por paredes de qualquer espessura. Estar atento ao logos implícito nisso, à sonoridade das palavras, e às imagens que elas traduzem ou representam é o ponto de interseção, onde prosa e poesia podem voltam a se encontrar, porque a prosa, ao menos a que tento fazer, é bastante poética. Essa junção poesia-conto, o que entendo pela pergunta como poesia inserida na narrativa da prosa, não me agrada. Mas a prosa poética, essa sim me interessa.
7 – Aliás, falando em seus livros... Você é autor de "Por baixo da pele fria"; "Entalhe Final"; "Quando o dia nasce sujo"; e "De quando minha rua tinha borboletas". Gostaria que você nos falasse um pouco acerca destes livros.
Resposta: “Por baixo da pele fria” foi lançado em 1997 e é uma coletânea de poemas escritos no período de 1989 a 1996. Há no livro uma urgência grande, própria de um autor jovem, cheio de som e fúria (ambos ainda estão aqui, rs). Apesar de haver uma desigualdade, de ser uma mostra talvez heterogênea demais, me orgulho muito dele. “Entalhe final”, um híbrido entre o conto e a novela começou a ser escrito em 1993. Mas só foi terminado quando me mudei para Ouro Preto em 1998. É a história de um escultor e sua relação com uma estátua recém-terminada. Ambos foram editados pelo meu saudoso amigo e editor Massao Ohno. “Quando o dia nasce sujo” foi lançado em 2006, é um livro de poesia onde busquei um sotaque cabralino, seco, duro. E há nele uma unidade temática, o livro começa por um poema intitulado Anoitece e termina com outro intitulado Amanhece, ou seja, é um longo mergulho em uma noite de insônia. E o “De quando minha rua tinha borboletas” é uma coletânea de crônicas publicadas no Caderno Dois, de A Gazeta, no período de 2007 a 2010.
8 – Você elaborou um projeto chamado "eletropoemas" que é um trabalho de interface da poesia com a música e as artes plásticas. Gostaria que você nos falasse mais a respeito. Quando pensou no projeto já tinha em mente com quem você faria as parcerias? Será que passear pelos mundos da música e artes plásticas podem lhe fazer aflorar um novo talento?
Resposta: “Eletropoemas” é um termo cunhado pelo músico Alexandre Lima. Com o passar dos anos, comecei a me interessar por outras possibilidades de expressão e por outras formas de mostrar minha produção poética. Em quando fui convidado para participar do Espírito Mundo – conjunto de festivais de arte e cultura brasileira na Europa – vi a possibilidade de começar a fazer isso. Chamei o músico Leo Grijó, capixaba radicado em São Paulo, e o artista gráfico Marco Vianna, e fizemos painéis com meus poemas traduzidos para o francês. Os mesmos poemas foram gravados em português e francês e o Leo fez a ambientação sonora que dialoga com as estruturas fonéticas, morfológicas e semânticas dos poemas. Em 2011, experimentei outro formato, que foi o vídeo, em parceria com o Xuxinha, do Estúdio na Mosca, e o Phillipe Grilo, diretor da Bossa Brasil. Fizemos o vídeo-poema “VOZ”, que teve uma repercussão legal nas redes sociais e foi apresentado no festival Cine Rua 7. No mesmo ano, na França, começamos uma parceria com o Joe Zee, grupo de música eletrônica, e a coisa segue andando. Novidade há de pintar por aí. Sobre aflorar novo talento, não creio. Não tenho a pretensão de ser músico em nem artista plástico (se pudesse escolher essa última seria minha ferramenta). Mas serviu para descobrir que tenho uma voz boa para ler poemas.
9 – A internet tem se tornado importante ferramenta para a divulgação e crítica da arte. Fale-nos sobre seu site www.caeguimaraes.com.br. O que podemos encontrar nele?
Resposta: O site está desativado, na verdade, vou reconstruí-lo para abrigar essa gama de suportes que foi bastante ampliado com os eletropoemas. Quero me dedicar mais a ele. Mas posto muitas coisas no facebook, que acabou se tornando uma ferramenta para partilhar com as pessoas as coisas mais urgentes, a primeira versão de coisas sobre as quais me debruço depois do esforço intelectual. O tal silêncio que vem depois do jorro.
10 – Aliás, recentemente abrimos espaço para os colegas autores capixabas em nosso blog. Você acha que este é o novo caminho para quem está começando?
Resposta: É uma possibilidade de caminho para todos, iniciantes, veteranos, semi-novos ou usados, categoria na qual me incluo, rsrs. Mas duas coisas me instigam a curiosidade. 1: o surgimento de mais vozes femininas na prosa e na poesia produzidas aqui. Acho muito interessante essa ocupação pelo universo feminino. Temos escritoras e poetas excelentes que vivem e produzem no Espírito Santo. Mas parece que elas estão surgindo, com a mesma qualidade, mas em quantidade maior. 2: a rede como instrumento de experimentação mas também de auto-expiação. Explico. De um lado abre-se a possibilidade de múltiplas vozes dialogarem, o que é por si só sensacional. Por outro lado, tenho visto muitas tentativas de algo que parece uma prosa poética, muitas vezes bem escrita, mas que tende a cair num solipsismo, a ir de lugar nenhum a lugar nem outro. Daí você lê e fica sem saber se aquilo é o começo de uma estrutura narrativa, uma tentativa de poema ou uma mirada no próprio umbigo. Mas, a despeito disso, o que vale é saber que tem muita gente boa surgindo, gente que já começa sendo do ramo. Como disse certa vez, o já citado Massao Ohno, ex-digito gigas: Pelo dedo (se conhece) o gigante.
11 – Falando em iniciantes... Como colunista do Caderno Pensar, de A Gazeta, você deve ter conhecimento de vários artistas que visam despontar para o sucesso. Como você tem visto o cenário cultural capixaba? É promissor? Está estagnado?
Resposta: Posso falar da minha praia, né? Na música, no cinema, teatro e artes plásticas sou um expectador. Acho que respondi essa pergunta nas outras acima, tem muita gente boa chegando com propostas sólidas, maduras. Tem muita gente experimentando, e experimentar é preciso. Mas, o que passa e o que fica, só o tempo pode dizer. No caso da literatura, que de todas essas manifestações talvez seja uma das que menos flerta com o universo pop, com a pressa desse universo, só posso dizer aos autores mais jovens do que eu: não tenham pressa. Tenham, sim, sempre, urgência. Ambas são bem distintas.
12 – Atualmente temos passado por uma febre de livros de vampiros e de autoajuda em detrimento a livros de poesia, crônicas e romances. O que você acha disso? Você acredita que o simples fato de estar lendo já é um ponto positivo para a nossa população?
Resposta: Questões de mercado. Após o 11 de setembro vivemos uma enxurrada de livros referentes ao oriente médio. A pipa de Cabul, o médico de Cabul, a menininha abandonada de Cabul, o gigolô de Cabul. Depois, com os Jogos Olímpicos de Pequim, uma enxurrada de livros sobre a China. O bailarino de Mao, a ciclista de Mao, a costureira de Mao, e por aí afora. O mercado dita, as pessoas consomem. A leva do tema vampiros, lobisomens, bruxos adolescentes, me faz pensar que as pessoas realmente estão precisando algo sagrado, que as religue ao divino, ao assombro. O tal religare, de onde vem a palavra religião. Pode ser a porta de entrada para o universo do livro, esse papo é velho. Sobre a auto-ajuda, não tenho substrato para comentar o efeito desse material na cabeça de quem lê. Mas para o mercado é ruim, uma competição desigual. Na boa, precisa de auto-ajuda? Leia Dostoievski. Leia Drummond. Tudo sobre a alma humana está lá.
13 – Quais são seus projetos para 2012? O que podemos ter de novo de Caê Guimarães para este ano?
Resposta: Terminar o “Encontro você no oitavo round”, meu primeiro romance. Entrar em estúdio para gravar novos eletropoemas e lançar o novo livro de poesia, já pronto. Parte desse livro entrará na coletânea “Fragment de ningú i d’altres”, coletânea de minhas poesias que está sendo traduzido para o catalão.
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