Sandro Bahiense é professor, bibliotecário e amante das coisas que envolvam escrita. Lançou em 2008, em parceria de Ricardo Salvalaio e de mais 7 colegas poetas, a coletânia de poesias "8 Vezes Poeta", trabalho em que pôde expor um pouco de seus sentimentos e arte. Ficou conhecido entre os colegas da UFES por fazer uma crônica para cada um deles. Além de crônica e poesia, Sandro também escreve artigos de opinião, contos e máximas. Tais trabalhos podem ser vistos em seu próprio blog cujo endereço é http://sandrobahiense.blogspot.com/. Sandro trabalha também, claro, neste blog como um dos colunistas. Confira, abaixo, o conto intitulado "O monstro":
Ângelo é um menino atormentado por demônios. O garoto, de 12 anos, era uma figura estranha, que falava pouco, e de nenhum amigo. Estava sempre de cara amarrada e nunca sorrira. Ele vivia em uma casa humilde da zona periférica da cidade. Lá ele era conhecido, e temido, por todos da vizinhança. Vivia ao lado de seu pai, Lúcio, um senhor humilde, viúvo, que trabalhava vendendo garrafas. A história de Ângelo e seu pai era muito estranha. Já na morte de sua mãe suspeitas pairavam no ar quanto a uma possível possessão do menino dando essa como a causa original da morte dela. A esposa de Lúcio morreu estranhamente após uma suposta queda que a fez torcer o pescoço. Quando foi encontrada, estava com o rosto virado para trás, como se algo, ou alguém, com força sobrenatural tivesse feito aquilo. Legistas da época disseram que uma queda poderia fazer o corpo dela ficar daquela forma e esta foi à versão oficial. Daí em diante especulações foram feitas a respeita do menino por toda a cidade. Diziam que o assassinato foi encoberto pelo governo local, temendo por manchar o nome da cidade nacionalmente, ou que o poder do menino era tamanho que corrompia a todos que suspeitassem de seu suposto “estado”, enfim, várias possibilidades foram criadas pela imaginação do povo. As atitudes de Ângelo corroboravam com as suspeitas de todos.
Apesar de toda essa circunstância o menino estudava e de vez em quando ia com seu pai à busca de garrafas para se serem colhidas e vendidas. Porém a história do garoto que era de conhecimento somente dos locais chegou aos ouvidos de Gabriel Alves, um repórter de um famoso jornal sensacionalista do Rio de Janeiro, que decidiu ir ao local para entrevistar o menino e descobrir se tal história era ou não verdadeira. O repórter chegou a Criciúma e partiu para mais uma de suas “reportagens investigativas”. Quando perguntava aos vizinhos sobre o menino todos foram unânimes em dizer que o repórter devia ir embora e “não mexer em coisa que não se sabe o que é”, o repórter sempre sorria e agradecia os conselhos. Gabriel chegou à casa de Ângelo, bateu a porta. O menino atendeu. Ele se apresentou e perguntou se podia entrar, o menino deixou. Gabriel disse que queria fazer uma entrevista com Ângelo. Quando ele perguntou se podia o menino fez um gesto com os ombros como que dizendo que tanto fazia, Gabriel perguntou:
_ Onde está o seu pai?
Ângelo
_ Não o vejo há três dias.
Gabriel, visivelmente assustado com a aparência da casa:
_ Três dias? Você está sozinho esse tempo todo?
Ângelo, sem mudar a feição:
_ Sim.
O repórter ainda mais assustado, porém fingindo estar bem:
_ Me conte um pouco de sua história rapaz. Tem amigos? Uma namoradinha talvez?!? Gosta de brincar de que?
Ângelo mudando a feição e fazendo cara de quem estava chateado com aquelas perguntas:
_ Não tenho amigos, nem namorada, e não gosto de brincar de nada.
Gabriel arregala os olhos, depois os fecha lentamente. Enxuga o suor que estava em sua testa. Dá uma assoprada como se quisesse botar pra fora todo o medo que estava sentindo, começou a achar que poderia realmente estar à frente de uma pessoa dominada pelo diabo. Mas depois, decidiu consigo próprio que aquilo era besteira, não convenceu nem a si mesmo, mas apesar de vacilante continuou a entrevista:
_ Podemos falar sobre a morte de sua mãe?
Ângelo mais uma vez dá de ombros. Gabriel pergunta como foi.
O menino diz:
_ Foi o monstro. Ele sempre maltratava minha mãe. Eu não conseguia ver. Mas era o monstro.
O repórter tomado pelo medo prossegue:
_ Monstro? Você não conseguia ver? Pausa. Modificando o tom de voz: Você era tomado por alguma força estranha?
Ângelo:
_ Não. Eu ficava cego e surdo. Só sabia que maltratava ela porque ela ficava triste. Dizia o menino com o semblante estranho de sempre.
Gabriel:
_ E seu pai?
Ângelo:
_ O que que tem?
O repórter:
_ Ele não fazia nada? Não lutava contra o monstro?
Ângelo quieto. Não respondeu. E Gabriel com ar de que havia elucidado o mistério fez a “pergunta chave”:
_ Isso porque o monstro era você não é?
Ângelo, quase sussurrando:
_ Não.
Gabriel, agressivo:
_ Não me faça de idiota! É você! Tá na cara! Aposto como também tentou matar o seu pai!?!
Ângelo levantou a cabeça rapidamente, e olhou com ar raivoso na direção de Gabriel, porém não parecia que era para ele, e com a voz firme respondeu:
_ Tentei sim! Várias Vezes! Depois que mamãe morreu eu vi quem ele era. Só que ele não morre. Eu mato e dias depois ele volta. Eu mato de novo e ele volta de novo. Eu não consigo, mas não vou desistir...
Gabriel confuso:
_ Então quem é o monstro afinal?
Ângelo olhando para Lúcio que estava atrás do repórter responde:
_ Eu costumava chamar ele de PAI.
Gabriel nunca mais foi visto.
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