Se para alguns a cultura do politicamente correto é o mesmo que diplomacia e repeito às pessoas, para outros ela está transformando o mundo em um lugar chato. Defensores e detratores diariamente se enfrentam em discussões acaloradas, seja nas mesas dos bares e no ambiente de trabalho, seja nas redes sociais.
Uma prova de que o assunto desperta o interesse é que o livro "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia", em que o filósofo, professor universitário e colunista da "Folha de S. Paulo" Luiz Felipe Pondé dá um tapa na cara do senso comum, figura há 13 semanas nas listas dos mais vendidos. Para ele, o politicamente correto é uma mistura de covardia, informação falsa e preocupação com a imagem. "Meu livro é contra o rebaixamento da inteligência", afirma o autor, em entrevista ao C2, em que não poupa nas críticas.
O sucesso do livro, bem como dos demais títulos que compõem a série publicada pela editora LeYa, de acordo com ele, revela o quanto as pessoas estão cansadas dos discursos politicamente corretos. "É um viés de mercado que mostra o cansaço de todos em relação a essa inteligência hipócrita, do blablablá de intelectuais que falam sempre a mesma coisa. O cara atira em não sei quantos no Colorado, e dizem que a culpa é da sociedade, do capitalismo."
No livro, que não é uma história da filosofia, mas "um ensaio de ironia filosófica", nas palavras do próprio autor, Pondé recorre a filósofos diversos, da antiguidade clássica ao pensamento contemporâneo, para tratar de temas variados, como democracia, sexualidade, teoria dos gêneros, religiões e fundamentalismo, natureza humana.
Principal alvo do autor, o politicamente correto combina com esta época, que Pondé chama de "frouxa". "Ao contrário do que se imagina, vivemos numa época de razoável conforto. Temos um monte de problemas, claro, mas, em comparação com o passado, a vida hoje é um passeio no parque. Experimente discutir o politicamente correto na Síria..."
No livro "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia", de Luiz Felipe Pondé, dá um tapa na cara do senso comum
Origens
De acordo com Pondé, o politicamente correto surgiu nos Estados Unidos e veio de uma esquerda que "gosta de usar blazer caro e tomar bons vinhos". No livro, ele explica que o objetivo é moldar comportamentos, hábitos e linguagens para gerar a inclusão social de alguns grupos e criar ações afirmativas (como as políticas de cotas).
No entanto, aqueles que se apresentam a serviço "do bem" acabam promovendo a perseguição daqueles que ousam pôr em dúvida os preceitos do politicamente correto. "Ele é, no seu melhor momento, pueril. No pior, é mau-caráter. Grande parte das pessoas que defendem ações politicamente corretas em espaços públicos, por exemplo, manobram bancas para excluir pessoas de quem não gostam", afirma Pondé.
Ele questiona a ideia de que todos são iguais e afirma que os poucos "melhores" sempre carregaram a humanidade nas costas. "Ao conviver com muita gente, você percebe as diferenças. Um é mais disciplinado, outro tem habilidade para resolver problemas de última hora, outro vai ficar com inveja. O cristianismo fala que é preciso amar todo mundo. Isso é uma balela. As pessoas não suportam dividir o banheiro com o irmão. Claro que isso não justifica ser intolerante e sair matando gente por aí", ressalta.
Conheça a série
Guia Politicamente Incorreto da Filosofia
Luiz Felipe Pondé
(LeYa, 224 páginas, R$ 39,90)
Dividido por temas, baseia-se em conceitos defendidos por grandes filósofos para abordar assuntos como capitalismo, religião, mulheres, instintos humanos, preconceito, felicidade e covardia.
Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil
Leandro Narloch
(LeYa, 304 páginas, R$ 39,90)
Coletânea de pesquisas históricas desagradáveis, temas espinhosos e vexames de "heróis nacionais", vai de encontro à visão maniqueísta apresentada nas escolas.
Guia Politicamente Incorreto da América Latina
Leandro Narloch e Duda Teixeira
(LeYa, 320 páginas, R$ 39,90)
Retoma personagens e fatos marcantes da história da América Latina para mostrar que ela não aconteceu exatamente como ensinado na escola.
Leia um trecho de "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia"
A Confissão de um pecador irônico
Estou voando, na classe executiva, não suportaria estar numa classe econômica, um galinheiro de gente. Costumo dizer que os aeroportos e os aviões, além de todos os lugares do mundo, viraram um grande churrasco na laje. O futuro do mundo é ser brega. Isso é um fato, apesar de ser um pecado mortal afirmá-lo. Mas pecado contra o que mesmo, se é a mais pura verdade? Ainda não vou dizer "pecado contra o que", mas pode ver neste livro, caro leitor, desde já, a confissão de
um pecador.
Este livro não é um livro de história da filosofia, mas sim um ensaio de filosofia do cotidiano, mais especificamente um ensaio de ironia filosófica que dialoga com a filosofia e sua história, movido por uma intenção específica: ser desagradável para um tipo específico de pessoa (que, espero, seja você ou alguém que você conhece), ou, talvez, para um tipo de comportamento (que, espero, seja o seu ou de um amigo inteligentinho que você tem). Mas, afinal, que tipo de pessoa? Esse tipo que vive numa "bolha de consciência social" (nunca entendi bem o que vem a ser "consciência social") sendo politicamente correto, ao que, às vezes, me refiro neste ensaio como a "praga PC".
Se você é uma delas, tenha em mim um fiel e devoto inimigo. Desejo sua extinção.
A ironia na filosofia é uma prima-irmã do ceticismo. Como o ceticismo, ela duvida, mas, diferente dele, ela tem "afeto" na sua dúvida -- nesse sentido, ela é mais venenosa do que seu primo e cai sobre sua vítima de forma mais cruel: sua intenção é a desmoralização do opositor, quase uma humilhação com intenções filosóficas, isto é, ela, a ironia, visa demonstrar alguma verdade que o opositor esconde e que, ao vir à tona, o humilha. Para a ironia filosófica, a mentira que seu
opositor esconde é sempre de ordem moral, um caso de hipocrisia a ser revelado. Portanto, o problema do conhecimento, a verdade do conhecimento, digamos, para a ironia, está sempre tingida da cor moral. Uma mentira moral é sempre uma hipocrisia.
Sendo assim, este livro é uma confissão de um pecador irônico.
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