quinta-feira, 7 de março de 2013

CONTO "LEI MARIA DA PENHA", DE CLEIBSON FREITAS



Cleibson Freitas nasceu em 1985, no Espírito Santo, residindo sempre na cidade de Cariacica. Filhos de pais humildes, tornou-se um apaixonado e curioso pelo ser humano da vida comum. Graduado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Espírito Santo, o escritor inicia sua carreira com a publicação de O óvulo e o ovo: tudo de novo. Nessa obra, Cleibson Freitas talvez comece seu primeiro e verdadeiro encontro com a arte. Como ele mesmo diz: “escrevo para ser livre. Ou melhor, brincar de ser livre, de ter prazer e brincar de ser Deus. Escrevo para me esconder do mundo e anular-me por completo. A literatura também serve para nos escondermos”. Confira, abaixo, o conto “Lei Maria da Penha”:

Lei Maria da Penha

O filho da puta já entrô em casa quebrano tudo. Foi terrível! A senhora nem pode imaginá o susto que levei. Acho que aquele disgraçado pensa que eu sô escrava dele e que ele pode me humilhá, me batê, quebrá o que é meu, quebrá o que eu comprei com o meu trabalho e com o meu suó... Aquele filho da puta! Três dias atrás, veja a senhora, tá veno aqui esta marca na minha cara? Foi uma porrada que aquele covarde me deu três dia atrás. Eu? Eu lá ia sê doida de denunciá ele por violência contra mulhé? O disgraçado ia me ameaçá de morte, se eu fizesse isso. Ele não vale o pão que o diabo amassô; Ele é mais covarde do que o próprio diabo! A senhora conhece bem aquele filho da puta, ué! Então, concorda comigo, como eu posso denunciá um peste malvado deste pra polícia?

Mas hoje o que ele fez foi demais, eu não pude aturá, aí eu explodi: fiz esta merda com ele. Acho que ele vai ficá disfigurado e monstruoso, a senhora pode imaginá como vai ficá o rosto dele? Foi água ferveno. Eu tava coano café quando ele chegô em casa cuspino maribondo. Depois de jogá a televisão no chão, ele veio pro meu lado pra me espancá. Aí eu peguei a caneca de água quente que tava segurano e joguei no rosto dele. Não, eu não vô na polícia não! Eu tô fugino. Tô fugino pra Barbacena, foi lá que eu nasci; Lá que eu nasci pra ser torta na vida. Tô passano antes de fugi aqui na casa da senhora só pra pagá o seu dinhero. E por favô, não conta pra ninguém sobre o meu paradêro, tá bem? Não quero que a polícia sabe pr’aonde tô fugino e muito menos aquele peste pode sabê, senão ele manda me matá. Ah! E avisa o pessoal lá da faxina que eu não sô essa pessoa má não, por favô! Convençe eles da minha boa pessoa. A culpa não foi minha. A senhora me conhece, ué, quando viu em mim uma atitude violenta em tantos zanos trabalhano junta? Não! Não... Não chora, por favô! Tâmém acho isso, a senhora tâmém foi minha melhó côpanhera de trabalho (E minha amiga tâmém!). Vô senti muita saudade da senhora; da generosidade da senhora, do côpanherismo, do lanche que a gente comia junta depois do trabalho, nossa, da história do amendoim no ônibus então nunca vô esquecê!

Lembra da história do amendoim? Aquilo foi a coisa mais engraçada que já me aconteceu... Pronto: Agora vamo pará de chorá. Viu?! Eu não queria que a senhora chorasse porque eu choro tâmém... E muito, tá veno, eu choro muito... Um oceano de lágrima, olha só pra mim, meu Deus, sô toda choro! Culpa da senhora, hein! Toma, tá aqui o dinhero do cheque que a senhora me emprestô. Passei aqui antes de fugi só pra pagá a senhora. Muito brigado, tá bem? A senhora, nesses zanos todo, foi como uma mãe pra mim. Por favô, não comece, aceita esse dinhero. Se a senhora não aceitá eu vô embora chateada, hein! Que mané presente! Este tipo de presente eu não aceito. Não se dá dinhero de presente. Não, para com isso! A senhora não pode fazê isso. O dinhero é da senhora e eu só vim aqui pagá: agora aceita, por favô! Meu Deus, já disse pra senhora, eu não aceito este tipo de presente. Não, não é orgulho coisa nenhuma, é que eu jamais ia aceitá este dinhero da senhora. Foi um favô que a senhora me fez e eu vim aqui só pra pagá. Não, para de insisti, por favô, eu já disse, não vô aceitá... Então tá: quer mermo me dá um presente? Então me dá aquele livro que a senhora falô que conta a história do hôme que mandou construí uma canoa pra ir morá no rio. Eu adorei quando a senhora contô esta história pra mim enquanto a gente faxinava, lembra? Pois é, este presente eu aceito da senhora, mas o dinhero eu não vô aceitá. Se a senhora quer mermo que eu levo uma lembrançinha pra Barbacena, me dá o livro que conta a história do hôme que foi morá no rio. E sabe, acho que a melhó coisa que eu devia fazê agora na minha vida era construí uma canoa e ir morá no rio feito o hôme da história, e não ir pra Barbacena é coisa nenhuma.

Porque pra qualqué lugá que eu parti, veja a senhora, eu vô continuá perdida. Eu acho que eu tô com o espírito perdido, sabe? Sinto pesá a vida, a senhora entende? A senhora alguma vez já ficô assim? É como se a alma gritasse abrigo. E não tem abrigo. Talvez abrigo seja só essa disgraçera imensa de céu azú em cima de nóis, ou então abrigo é o rio, o rio da história. Por isso é que eu acho, veja a senhora, que eu devia era fazê igual ao hôme da história e ir ter com rio: ir ter com o rio no seu ir abaixo, afora, adentro, no longe do primitivo de tudo... É este o livro? Brigado! Agora sim, este presente sim eu aceito. Pois agora toma, cê pega, tá aqui o dinhero: cento e vinte real contadinho. Me dá agora um abraço de despedida. Adeus, viu! Um dia, quem sabe, a gente se vê de novo. Foi um prazê conhecê e convivê com a senhora durante todo esse tempo. Adeus! Não... Não chora... Para de chorar... Não chora... Adeus... Brigado por tudo, tá bem? A gente vai se encontrá de novo, minha cômpanhera. Fica com Deus.            


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