Cleibson Freitas nasceu em 1985, no Espírito Santo, residindo sempre na cidade de Cariacica. Filhos de pais humildes, tornou-se um apaixonado e curioso pelo ser humano da vida comum. Graduado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Espírito Santo, o escritor inicia sua carreira com a publicação de O óvulo e o ovo: tudo de novo. Nessa obra, Cleibson Freitas talvez comece seu primeiro e verdadeiro encontro com a arte. Como ele mesmo diz: “escrevo para ser livre. Ou melhor, brincar de ser livre, de ter prazer e brincar de ser Deus. Escrevo para me esconder do mundo e anular-me por completo. A literatura também serve para nos escondermos”. Confira, abaixo, o conto “Lei Maria da Penha”:
Lei Maria da
Penha
O filho da puta já entrô em casa quebrano tudo. Foi terrível! A
senhora nem pode imaginá o susto que levei. Acho que aquele disgraçado pensa
que eu sô escrava dele e que ele pode me humilhá, me batê, quebrá o que é meu,
quebrá o que eu comprei com o meu trabalho e com o meu suó... Aquele filho da
puta! Três dias atrás, veja a senhora, tá veno aqui esta marca na minha cara?
Foi uma porrada que aquele covarde me deu três dia atrás. Eu? Eu lá ia sê doida
de denunciá ele por violência contra mulhé? O disgraçado ia me ameaçá de morte,
se eu fizesse isso. Ele não vale o pão que o diabo amassô; Ele é mais covarde
do que o próprio diabo! A senhora conhece bem aquele filho da puta, ué! Então,
concorda comigo, como eu posso denunciá um peste malvado deste pra polícia?
Mas hoje o que ele fez foi demais, eu não pude aturá, aí eu explodi:
fiz esta merda com ele. Acho que ele vai ficá disfigurado e monstruoso, a
senhora pode imaginá como vai ficá o rosto dele? Foi água ferveno. Eu tava
coano café quando ele chegô em casa cuspino maribondo. Depois de jogá a
televisão no chão, ele veio pro meu lado pra me espancá. Aí eu peguei a caneca
de água quente que tava segurano e joguei no rosto dele. Não, eu não vô na
polícia não! Eu tô fugino. Tô fugino pra Barbacena, foi lá que eu nasci; Lá que
eu nasci pra ser torta na vida. Tô passano antes de fugi aqui na casa da
senhora só pra pagá o seu dinhero. E por favô, não conta pra ninguém sobre o
meu paradêro, tá bem? Não quero que a polícia sabe pr’aonde tô fugino e muito
menos aquele peste pode sabê, senão ele manda me matá. Ah! E avisa o pessoal lá
da faxina que eu não sô essa pessoa má não, por favô! Convençe eles da minha
boa pessoa. A culpa não foi minha. A senhora me conhece, ué, quando viu em mim
uma atitude violenta em tantos zanos trabalhano junta? Não! Não... Não chora,
por favô! Tâmém acho isso, a senhora tâmém foi minha melhó côpanhera de
trabalho (E minha amiga tâmém!). Vô senti muita saudade da senhora; da
generosidade da senhora, do côpanherismo, do lanche que a gente comia junta
depois do trabalho, nossa, da história do amendoim no ônibus então nunca vô
esquecê!
Lembra da história do amendoim? Aquilo foi a coisa mais engraçada que
já me aconteceu... Pronto: Agora vamo pará de chorá. Viu?! Eu não queria que a
senhora chorasse porque eu choro tâmém... E muito, tá veno, eu choro muito...
Um oceano de lágrima, olha só pra mim, meu Deus, sô toda choro! Culpa da
senhora, hein! Toma, tá aqui o dinhero do cheque que a senhora me emprestô.
Passei aqui antes de fugi só pra pagá a senhora. Muito brigado, tá bem? A
senhora, nesses zanos todo, foi como uma mãe pra mim. Por favô, não comece,
aceita esse dinhero. Se a senhora não aceitá eu vô embora chateada, hein! Que
mané presente! Este tipo de presente eu não aceito. Não se dá dinhero de
presente. Não, para com isso! A senhora não pode fazê isso. O dinhero é da
senhora e eu só vim aqui pagá: agora aceita, por favô! Meu Deus, já disse pra
senhora, eu não aceito este tipo de presente. Não, não é orgulho coisa nenhuma,
é que eu jamais ia aceitá este dinhero da senhora. Foi um favô que a senhora me
fez e eu vim aqui só pra pagá. Não, para de insisti, por favô, eu já disse, não
vô aceitá... Então tá: quer mermo me dá um presente? Então me dá aquele livro
que a senhora falô que conta a história do hôme que mandou construí uma canoa
pra ir morá no rio. Eu adorei quando a senhora contô esta história pra mim
enquanto a gente faxinava, lembra? Pois é, este presente eu aceito da senhora,
mas o dinhero eu não vô aceitá. Se a senhora quer mermo que eu levo uma
lembrançinha pra Barbacena, me dá o livro que conta a história do hôme que foi
morá no rio. E sabe, acho que a melhó coisa que eu devia fazê agora na minha
vida era construí uma canoa e ir morá no rio feito o hôme da história, e não ir
pra Barbacena é coisa nenhuma.
Porque pra qualqué lugá que eu parti, veja a senhora, eu vô continuá
perdida. Eu acho que eu tô com o espírito perdido, sabe? Sinto pesá a vida, a
senhora entende? A senhora alguma vez já ficô assim? É como se a alma gritasse
abrigo. E não tem abrigo. Talvez abrigo seja só essa disgraçera imensa de céu
azú em cima de nóis, ou então abrigo é o rio, o rio da história. Por isso é que
eu acho, veja a senhora, que eu devia era fazê igual ao hôme da história e ir
ter com rio: ir ter com o rio no seu ir abaixo, afora, adentro, no longe do
primitivo de tudo... É este o livro? Brigado! Agora sim, este presente sim eu
aceito. Pois agora toma, cê pega, tá aqui o dinhero: cento e vinte real
contadinho. Me dá agora um abraço de despedida. Adeus, viu! Um dia, quem sabe,
a gente se vê de novo. Foi um prazê conhecê e convivê com a senhora durante
todo esse tempo. Adeus! Não... Não chora... Para de chorar... Não chora...
Adeus... Brigado por tudo, tá bem? A gente vai se encontrá de novo, minha
cômpanhera. Fica com Deus.
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