Hoje o capixaba de Mimoso do Sul Stenio Garcia está completando 81 anos. Para homenagear nosso conterrâneo de tanto valor o Outros 300 posta uma entrevista dada pelo ator ao site da TV Globo. Confira.
História
No ar como o boa praça Arturo em "Salve Jorge", Stênio Garcia completa 81 anos neste domingo comemorando o sucesso da trama, que está em sua reta final. No folhetim das nove, o ator faz parte do núcleo polêmico e que está na boca do povo. Arturo é pai de Celso - interpretado por Caco Ciocler -, que vive fazendo a cabeça da filha contra a mãe (Letícia Spiller).
No último dia 6, Stênio foi internado na Clínica São Vicente, na Gávea, Zona Sul do Rio, com dengue. Felizmente o ator teve uma rápida melhora e já estava recuperado no dia 11.
Além do susto da dengue, Stênio foi surpreendido recentemente com a morte da ex-mulher, Cleyde Yáconis, no último dia 15. Em entrevista à revista "Caras", o ator contou o quanto Cleyde foi importante para a sua vida. Até porque eles foram casados por 11 anos, de 1958 a 1969: "Talvez tenha sido uma das pessoas mais importantes da minha vida em todos os sentidos. É um momento muito difícil".
Nascido no Espírito Santo, o capixaba tem uma carreira de dar inveja a qualquer ator, com mais de 55 trabalhos na TV.
Entrevista
Você acaba de ser escalado para participar da Dança dos Famosos (de 2010 época da entrevista), do Domingão do Faustão. Como estão os preparativos?
Stênio Garcia - Logo de cara, pedi para não ser escalado para mais nada, pois quero me dedicar e participar integralmente da coisa. A cada semana, é uma coreografia diferente. Se você não tem a relação com a dança, tem de aprender realmente.
E a sua relação com a dança veio com papéis como o Dr. Castanho, de Caminho das Índias (onde dançava com a atriz Juliana Alves)?
Stênio Garcia - Veio da novela, de bailinho... Tive aula um tempo com o Lennie Dale, fiz jazz, mas é aquele exercício que você faz para um trabalho, não é um estudo profundo da dança. Também fui casado com três bailarinas. Gosto muito da dança e acho que o ator deveria ter este treinamento. Quando comecei a ver os musicais da Brodway, pensei: "Meu Deus, como eu gostaria de ser ator!" Porque lá você vê o ator na sua plenitude, cantando, dançando, tocando instrumento... Eu sempre gostei de trabalhar o corpo. Procurei ginásticas que me davam a possibilidade de usar o corpo. Mas não foi em relação à música, com a dança.
Que tipo de atividades físicas você buscou para este preparo do corpo?
Stênio Garcia - Quando comecei a estudar no Conservatório Nacional de Teatro, na década de 50, conheci um exercício criado para o ator que consiste em doze movimentos em que você desestrutura toda sua relação muscular, disponibiliza seu corpo. Você descontrola toda sua rede muscular para se tornar disponível na interpretação do ator. Há cerca de oito meses eu faço ioga. Se eu soubesse da importância dela para a consciência física para o ator, eu teria começado há pelo menos uns 40 anos.
Além deste trabalho da dança com o Domingão, em que outros projetos você está envolvido?
Stênio Garcia - Vou fazer para a TVE um registro documental do Carlos Heitor Cony, onde faço o autor em um dos momentos de sua vida. Foi muito legal, pois era um autor que eu conhecia pouco e, só na curiosidade de poder entrar no seu universo, já li quatro livros fantásticos dele. É a vantagem deste nosso trabalho. Você começa a aprofundar o estudo e descobre coisas maravilhosas.
E teatro?
Stênio Garcia - Eu estava ensaiando uma peça do Rogério Blat, mas parei porque a agenda de viagens estava começando a ficar muito complexa. Não estou trabalhando em nenhuma outra agora, mas tenho algumas propostas. O ator, não só eu mas todos aqui na Globo, recebe pelo menos uns quatro ou cinco roteiros de cinema por mês, mais peças de teatro. Meu sonho é fazer o Fausto. Aí de repente vem um convite e eu vou ter de arranjar um jeito e fazer. Eu e o Fagundes (Antônio) namoramos a ideia de realizar um projeto juntos, para aproveitar toda nossa relação que vem do período de Carga Pesada. Mas a gente ainda está buscando.
Conta um pouco desta sua relação com o Antônio Fagundes. Vocês são muito amigos, não?
Stênio Garcia - Conheço o Fagundes há 30 anos. Era inicialmente uma admiração e depois se transformou numa grande amizade, caminhando para uma relação quase que familiar. A gente se considera meio que irmãos. Às vezes a gente brinca que é o casamento mais duradouro que aconteceu nas nossas vidas.
Vocês estiveram em que trabalhos juntos?
Stênio Garcia - Nós fizemos dois Gilbertos Braga: O Dono do Mundo e Corpo a Corpo. Depois a gente trabalhou em projetos rápidos, participações em minisséries. Mas o que ficou realmente para nós foi a relação de Carga Pesada. Ficamos dois anos na primeira temporada, depois mais cinco com o retorno. Nós participávamos muito do processo de realização do seriado e acabamos nos tornando grandes amigos. A gente continua ainda se relacionando, se encontrando. Eu frequento a casa dele, conheço a família toda, ele conhece a minha.
Essa brincadeira do casamento mais duradouro... Quantas vezes você se casou?
Stênio Garcia - Fui casado cinco vezes. A Marilene (Saad, também atriz) é a quinta. Estive casado quase 50 anos, só que não foi com uma mulher só. Fui casado dez anos com a Cleyde Yáconis, depois veio a Clarice Piovesan, a Gisela Sá, a Márcia Barros e a Marilene, que acabei conhecendo aqui. Diz ela que a conheci quando ela tinha sete anos, quando ela fez uma participação em Carga Pesada. Mas eu não lembro. Depois estivemos juntos em O Dono do Mundo, em que ela fazia uma das meninas da cafetina Olga, personagem da Fernanda Montenegro. Eu era um milionário que gostava de conhecer jovens, apresentadas pela personagem da Fernanda. E a Marilene foi uma delas. Fomos nos encontrar pela terceira vez em Torre de Babel. Aí é que começou o flerte. Dei um curso de teatro no Espírito Santo e ela participou, aí rolou. Diz ela que estamos há quase 12 anos juntos.
Você se vê como uma pessoa com mais disposição física que a média?
Stênio Garcia - Vou fazer 78 anos no mês que vem, mas as pessoas não me dão esta idade. Não como carne, não bebo, não fumo, faço muito exercício... Vou à academia 3, 4, 5 vezes por semana. Ioga, faço quase que diariamente, em casa. Mas acho que o segredo está na relação saudável com a vida. A minha casa está fincada no Parque da Pedra Branca, sempre tive muita relação com a natureza. E procuro comer coisas muito naturais, gosto da comida orgânica. Hoje em dia, por exemplo, não como mais glúten, porque descobri que ele faz um grande mal para o organismo humano. E tomo um negócio que o Mauro Mendonça toma também que a gente chama de “água da vida”. Um cara extrai água de uma determinada região ecologicamente pura do mar, que contém oitenta e tanto sais minerais que renovam as células. Eu encomendo o garrafão e bebo de cinco a oito copos desta água por dia. O velhinho que descobriu e vende esta água diz “Tome esta água e viva 100 anos!”
E como é esta relação com a natureza, que você cita?
Stênio Garcia - Minha casa tem 1400 m2. Tenho uma horta orgânica de que eu mesmo cuido. Tenho pelo menos uns trinta pés de frutas de todos os tipos. E faço uma homenagem às pessoas amigas que se foram com uma fruta de que gosto. Minha mãe é um pé de jabuticaba. Eu converso com ela, bato papo, estabeleço uma relação de afetividade, de amor. Eu planto e batizo: tem o seu Vavá, que é meu pai; tem os grandes amigos, como o Walter Avancini, que eu considero o meu pai profissional. Tenho como lembrança destas pessoas que fazem parte da minha história, que me dão saudade. E tem a minha própria história: sou de uma cidade chamada Mimoso do Sul, no Espírito Santo. Essa coisa de cidade pequena te dá uma consciência de natureza. Aprendi a nadar no rio, roubei fruta no quintal dos outros, cuidei de boi. Procuro também ter uma relação intensa com as coisas e as pessoas. Dei a volta ao mundo, plantei arroz no Japão... Quando viajo, vou ao mercado, ando no meio das pessoas, não fico num hotel 5 estrelas. Gosto de gente.
Como foi a sua vinda para a capital e o início da carreira como ator?
Stênio Garcia - Antes de ser ator, trabalhei com muita coisa. Saí do interior do Espírito Santo com a separação dos meus pais, vim com 13 anos para o Rio de Janeiro. Como eu era o mais velho da família, fui o primeiro a ter que trabalhar. Com 13 anos, ajudava a sustentar a família. Fui auxiliar de escritório e comecei a estudar contabilidade no início da década de 50. Na escola técnica que eu frequentava, havia um grupo de teatro amador e eu namorava uma menina que era atriz deste grupo. Para levá-la para casa e ganhar beijinho, eu ia aos ensaios do espetáculo. Eu era meio palhaço, tinha boa memória e imitava os atores fazendo seus papéis. No dia da estreia de um espetáculo, faltou um ator e lembraram do meu nome, já que eu sabia as falas. Acabei entrando, meio que na força porque senão não ia ganhar beijo da namorada. Fiz o personagem e, como não tinha o compromisso do ator, fiz uma grande farra. E os caras acharam que eu tinha roubado a cena. Aí passei a fazer parte do grupo e comecei a pegar os protagonistas das peças montadas. Até que um dia, num centro espírito em que a gente estava representando, havia atores profissionais assistindo. No final, eles foram falar comigo e perguntaram “Por que você não estuda teatro?”. Aquilo ficou na minha cabeça. Quando terminei o curso, quase um ano depois, fui trabalhar em banco. E como o horário do banco me deixava com a tarde livre, comecei a estudar no Conservatório Nacional de Teatro. No primeiro ano, organizaram um festival de estudante no Distrito Federal, que ainda era Rio de Janeiro. Eram quatro escolas de teatro apresentando três espetáculos cada. E eu ganhei o Prêmio Monteiro de Oliveira, concorrendo com mais de 400 alunos. Nessa época, a Cacilda Becker estava montando o seu grupo de teatro e quis saber quem era era o ator que tinha ganho a medalha de ouro. Aí eu apresentei um trecho da peça que estava fazendo para ela, e ela me convidou para fazer um estágio na sua companhia. Era ela, Cleyde Yáconis, Ziembinski, Walmor Chagas... A nata do teatro brasileiro. Estreei quase um ano depois como filho da Cacilda numa peça em São Paulo. Aí fui embora. Trabalhei na Excelsior, em São Paulo, na Tupi, e em 72 vim para a Globo, convidado pelo Avancini.
Que personagens mais marcaram você?
Stênio Garcia - O momento de vida com a Cleyde foi muito importante porque eu convivi com a nata da consciência profissional do ator. Foi a relação com uma atriz fantástica, irmã de uma das maiores atrizes do Brasil, a Cacilda Becker... E conheci monstros como Ziembinski, o Walmor Chagas, o Abujamra, o Antunes Filho. Com o Antunes Filho, experimentei dois grandes momentos da minha carreira: um com o Peer Gynt, do Ibsen, onde eu ganhei todos os prêmios de teatro do ano; e com Cemitério de Automóveis, de Fernando Arrabal, um espetáculo revolucionário. Fiz oito novelas com a Ivani Ribeiro. Uma foi A Muralha, que depois foi transformada em seriado. Eu fazia um índio, onde busquei a relação com o homem brasileiro. Participei de um grupo de trabalho, junto com Flávio Rangel, Juca de Oliveira, Cleyde Yáconis, Gianfrancesco Guarnieri, Lima Duarte, que buscava a conquista do mercado para o ator. Nós éramos tipicamente brasileiros, mas o padrão da escalação era uma coisa importada. Para fazer um protagonista da novela, você tinha de ter uma certa semelhança com um ator americano ou europeu. Nós não tínhamos, então começamos a impor este tipo do homem brasileiro. E começamos a fazer um levantamento de toda esta cultura brasileira. Hoje não falta mais o tipo brasileiro na novela, mas nós conquistamos isso. Esse momento, apesar de não ter tido nenhum personagem, pelo menos de televisão, que tivesse uma popularidade muito grande, teve essa coisa do conteúdo do estudo, da busca. Depois que eu cheguei à Globo, e fiz Cavalo de Aço, Que Rei Sou Eu?, O Dono do Mundo... Fiz o Aleijadinho em Poema Barroco, do Paulo Mendes Campos, que foi um sucesso. Foram coisas que marcaram muito a minha figura de ator. E considero que a minha conquista maior foi na diversificação de personagens. Não marquei um determinado tipo. Eu deixava um bigode, raspava uma barba, cortava o cabelo, sempre preocupado em mudar a figura anterior para aquela que estava no ar. E não faltava trabalho para mim. Porque eu apresentava um estudo sempre, uma possibilidade nova de figura na galeria...
Isso parte de um estudo ou é natural para você ser qualquer coisa?
Stênio Garcia - Exige uma preocupação. Por exemplo, se eu não tiver um domínio corporal muito grande eu não vou conseguir mudar. Você pode ser auxiliado na maquiagem, no figurino, mas é principalmente o ritmo da palavra que faz você mudar. Pratico até hoje perto de 80 exercícios: “Pedro Paulo pacífico e pacato e pachorrento preto da propriedade do meu pranteado pai depois de provar uma pinga promoveu... bela baiana boneca de bronze bailava brejeira... dançam depressa disciplinados e decididos... o rato a ratazana e o ratinho...” Tenho exercícios para todas as letras justamente para criar um ritmo de palavras diferenciado de um personagem para o outro. Mas isso exige uma disciplina muito grande e um esforço, porque você é obrigado a perder, às vezes, quatro, cinco horas por dia de estudo com você mesmo, mesmo que não tenha um trabalho naquele momento.
E o estudo das referências do personagem?
Stênio Garcia - A relação com o autor é muito importante. Teve a Ivani. Hoje eu trabalho muito com a Glória Perez, já fiz quatro ou cinco novelas dela. Um dos personagens de maior sucesso meu na Globo foi o Tio Ali, de O Clone. Eu dei autógrafo para russos em Nova Iorque por causa da novela. Fui ao Saara, busquei minha ascendência na relação com o árabe, estive um mês no Marrocos onde fucei tudo. Essa coisa acaba desenvolvendo a cor do personagem. Procuro livros que me dêem esse conhecimento, essa emoção. E disponibilizo todo o meu organismo para desenvolver o andamento neste sentido. Como o Dr. Castanho, de Caminho das Índias, que era um personagem que tinha um fundamento social. Estudei profundamente o assunto, devo ter lido pelo menos uns oito livros, freqüentei o Instituto Municipal Nise da Silveira (hospital psiquiátrico).
Que trabalho foi mais difícil fazer?
Stênio Garcia - Em Que Rei Sou Eu?, tive que fazer um ano e meio de acrobacia de solo para compor o personagem. Dei meu primeiro salto mortal aos 57 anos de idade e nunca tinha passado pelo circo. Foi difícil. E eram dois personagens: eu fazia um revolucionário, um dos espadachins da história, e ao mesmo tempo era o bobo da corte que namorava a rainha, o Corcoran. Dois personagens absolutamente diferentes um do outro, que não podiam ficar iguais porque eu tinha de ocultar o revolucionário no bobo da corte. Outro personagem muito difícil foi o Aleijadinho. Era um sofrimento que eu não conhecia. Fiquei com as mãos amarradas para ficar com o tipo de aleijão que ele tinha. A mão ficou amarrada semanas, a unha cresceu e começou a enfiar na minha carne, machucou realmente. Mas foi onde eu conheci a dor daquele personagem. O Antunes brinca dizendo “Eu tenho medo de escalar o Stênio porque se tiver que fazer um alpinista, ele vai escalar o Pão de Açúcar”. E é verdade, eu gosto de viver a experiência porque acho que isso traz um conhecimento a respeito daquilo. Com a minha exigência de querer fazer, eu sou obrigado a me submeter a determinadas coisas que são sacrifícios. O mais comum é você lançar mão do que foi a comunicação mais fácil para você, e é por isso que muitos atores ficam estereotipados. Porque se acomodaram e não procuraram realizar aquilo que é externo a eles, que é difícil para eles. O trabalho do ator tende a ser muito burocrático. Ele só não é quando você faz algum esforço.
Stênio Garcia - Logo de cara, pedi para não ser escalado para mais nada, pois quero me dedicar e participar integralmente da coisa. A cada semana, é uma coreografia diferente. Se você não tem a relação com a dança, tem de aprender realmente.
E a sua relação com a dança veio com papéis como o Dr. Castanho, de Caminho das Índias (onde dançava com a atriz Juliana Alves)?
Stênio Garcia - Veio da novela, de bailinho... Tive aula um tempo com o Lennie Dale, fiz jazz, mas é aquele exercício que você faz para um trabalho, não é um estudo profundo da dança. Também fui casado com três bailarinas. Gosto muito da dança e acho que o ator deveria ter este treinamento. Quando comecei a ver os musicais da Brodway, pensei: "Meu Deus, como eu gostaria de ser ator!" Porque lá você vê o ator na sua plenitude, cantando, dançando, tocando instrumento... Eu sempre gostei de trabalhar o corpo. Procurei ginásticas que me davam a possibilidade de usar o corpo. Mas não foi em relação à música, com a dança.
Que tipo de atividades físicas você buscou para este preparo do corpo?
Stênio Garcia - Quando comecei a estudar no Conservatório Nacional de Teatro, na década de 50, conheci um exercício criado para o ator que consiste em doze movimentos em que você desestrutura toda sua relação muscular, disponibiliza seu corpo. Você descontrola toda sua rede muscular para se tornar disponível na interpretação do ator. Há cerca de oito meses eu faço ioga. Se eu soubesse da importância dela para a consciência física para o ator, eu teria começado há pelo menos uns 40 anos.
Além deste trabalho da dança com o Domingão, em que outros projetos você está envolvido?
Stênio Garcia - Vou fazer para a TVE um registro documental do Carlos Heitor Cony, onde faço o autor em um dos momentos de sua vida. Foi muito legal, pois era um autor que eu conhecia pouco e, só na curiosidade de poder entrar no seu universo, já li quatro livros fantásticos dele. É a vantagem deste nosso trabalho. Você começa a aprofundar o estudo e descobre coisas maravilhosas.
E teatro?
Stênio Garcia - Eu estava ensaiando uma peça do Rogério Blat, mas parei porque a agenda de viagens estava começando a ficar muito complexa. Não estou trabalhando em nenhuma outra agora, mas tenho algumas propostas. O ator, não só eu mas todos aqui na Globo, recebe pelo menos uns quatro ou cinco roteiros de cinema por mês, mais peças de teatro. Meu sonho é fazer o Fausto. Aí de repente vem um convite e eu vou ter de arranjar um jeito e fazer. Eu e o Fagundes (Antônio) namoramos a ideia de realizar um projeto juntos, para aproveitar toda nossa relação que vem do período de Carga Pesada. Mas a gente ainda está buscando.
Conta um pouco desta sua relação com o Antônio Fagundes. Vocês são muito amigos, não?
Stênio Garcia - Conheço o Fagundes há 30 anos. Era inicialmente uma admiração e depois se transformou numa grande amizade, caminhando para uma relação quase que familiar. A gente se considera meio que irmãos. Às vezes a gente brinca que é o casamento mais duradouro que aconteceu nas nossas vidas.
Vocês estiveram em que trabalhos juntos?
Stênio Garcia - Nós fizemos dois Gilbertos Braga: O Dono do Mundo e Corpo a Corpo. Depois a gente trabalhou em projetos rápidos, participações em minisséries. Mas o que ficou realmente para nós foi a relação de Carga Pesada. Ficamos dois anos na primeira temporada, depois mais cinco com o retorno. Nós participávamos muito do processo de realização do seriado e acabamos nos tornando grandes amigos. A gente continua ainda se relacionando, se encontrando. Eu frequento a casa dele, conheço a família toda, ele conhece a minha.
Essa brincadeira do casamento mais duradouro... Quantas vezes você se casou?
Stênio Garcia - Fui casado cinco vezes. A Marilene (Saad, também atriz) é a quinta. Estive casado quase 50 anos, só que não foi com uma mulher só. Fui casado dez anos com a Cleyde Yáconis, depois veio a Clarice Piovesan, a Gisela Sá, a Márcia Barros e a Marilene, que acabei conhecendo aqui. Diz ela que a conheci quando ela tinha sete anos, quando ela fez uma participação em Carga Pesada. Mas eu não lembro. Depois estivemos juntos em O Dono do Mundo, em que ela fazia uma das meninas da cafetina Olga, personagem da Fernanda Montenegro. Eu era um milionário que gostava de conhecer jovens, apresentadas pela personagem da Fernanda. E a Marilene foi uma delas. Fomos nos encontrar pela terceira vez em Torre de Babel. Aí é que começou o flerte. Dei um curso de teatro no Espírito Santo e ela participou, aí rolou. Diz ela que estamos há quase 12 anos juntos.
Stênio Garcia revela o segredo de sua disposição
Stênio Garcia - Vou fazer 78 anos no mês que vem, mas as pessoas não me dão esta idade. Não como carne, não bebo, não fumo, faço muito exercício... Vou à academia 3, 4, 5 vezes por semana. Ioga, faço quase que diariamente, em casa. Mas acho que o segredo está na relação saudável com a vida. A minha casa está fincada no Parque da Pedra Branca, sempre tive muita relação com a natureza. E procuro comer coisas muito naturais, gosto da comida orgânica. Hoje em dia, por exemplo, não como mais glúten, porque descobri que ele faz um grande mal para o organismo humano. E tomo um negócio que o Mauro Mendonça toma também que a gente chama de “água da vida”. Um cara extrai água de uma determinada região ecologicamente pura do mar, que contém oitenta e tanto sais minerais que renovam as células. Eu encomendo o garrafão e bebo de cinco a oito copos desta água por dia. O velhinho que descobriu e vende esta água diz “Tome esta água e viva 100 anos!”
E como é esta relação com a natureza, que você cita?
Stênio Garcia - Minha casa tem 1400 m2. Tenho uma horta orgânica de que eu mesmo cuido. Tenho pelo menos uns trinta pés de frutas de todos os tipos. E faço uma homenagem às pessoas amigas que se foram com uma fruta de que gosto. Minha mãe é um pé de jabuticaba. Eu converso com ela, bato papo, estabeleço uma relação de afetividade, de amor. Eu planto e batizo: tem o seu Vavá, que é meu pai; tem os grandes amigos, como o Walter Avancini, que eu considero o meu pai profissional. Tenho como lembrança destas pessoas que fazem parte da minha história, que me dão saudade. E tem a minha própria história: sou de uma cidade chamada Mimoso do Sul, no Espírito Santo. Essa coisa de cidade pequena te dá uma consciência de natureza. Aprendi a nadar no rio, roubei fruta no quintal dos outros, cuidei de boi. Procuro também ter uma relação intensa com as coisas e as pessoas. Dei a volta ao mundo, plantei arroz no Japão... Quando viajo, vou ao mercado, ando no meio das pessoas, não fico num hotel 5 estrelas. Gosto de gente.
Como foi a sua vinda para a capital e o início da carreira como ator?
Stênio Garcia - Antes de ser ator, trabalhei com muita coisa. Saí do interior do Espírito Santo com a separação dos meus pais, vim com 13 anos para o Rio de Janeiro. Como eu era o mais velho da família, fui o primeiro a ter que trabalhar. Com 13 anos, ajudava a sustentar a família. Fui auxiliar de escritório e comecei a estudar contabilidade no início da década de 50. Na escola técnica que eu frequentava, havia um grupo de teatro amador e eu namorava uma menina que era atriz deste grupo. Para levá-la para casa e ganhar beijinho, eu ia aos ensaios do espetáculo. Eu era meio palhaço, tinha boa memória e imitava os atores fazendo seus papéis. No dia da estreia de um espetáculo, faltou um ator e lembraram do meu nome, já que eu sabia as falas. Acabei entrando, meio que na força porque senão não ia ganhar beijo da namorada. Fiz o personagem e, como não tinha o compromisso do ator, fiz uma grande farra. E os caras acharam que eu tinha roubado a cena. Aí passei a fazer parte do grupo e comecei a pegar os protagonistas das peças montadas. Até que um dia, num centro espírito em que a gente estava representando, havia atores profissionais assistindo. No final, eles foram falar comigo e perguntaram “Por que você não estuda teatro?”. Aquilo ficou na minha cabeça. Quando terminei o curso, quase um ano depois, fui trabalhar em banco. E como o horário do banco me deixava com a tarde livre, comecei a estudar no Conservatório Nacional de Teatro. No primeiro ano, organizaram um festival de estudante no Distrito Federal, que ainda era Rio de Janeiro. Eram quatro escolas de teatro apresentando três espetáculos cada. E eu ganhei o Prêmio Monteiro de Oliveira, concorrendo com mais de 400 alunos. Nessa época, a Cacilda Becker estava montando o seu grupo de teatro e quis saber quem era era o ator que tinha ganho a medalha de ouro. Aí eu apresentei um trecho da peça que estava fazendo para ela, e ela me convidou para fazer um estágio na sua companhia. Era ela, Cleyde Yáconis, Ziembinski, Walmor Chagas... A nata do teatro brasileiro. Estreei quase um ano depois como filho da Cacilda numa peça em São Paulo. Aí fui embora. Trabalhei na Excelsior, em São Paulo, na Tupi, e em 72 vim para a Globo, convidado pelo Avancini.
Stênio Garcia como o Tio Ali, em O Clone, e como Dr. Castanho, ao lado da atriz Juliana Alves, em Caminho das Índias
Stênio Garcia - O momento de vida com a Cleyde foi muito importante porque eu convivi com a nata da consciência profissional do ator. Foi a relação com uma atriz fantástica, irmã de uma das maiores atrizes do Brasil, a Cacilda Becker... E conheci monstros como Ziembinski, o Walmor Chagas, o Abujamra, o Antunes Filho. Com o Antunes Filho, experimentei dois grandes momentos da minha carreira: um com o Peer Gynt, do Ibsen, onde eu ganhei todos os prêmios de teatro do ano; e com Cemitério de Automóveis, de Fernando Arrabal, um espetáculo revolucionário. Fiz oito novelas com a Ivani Ribeiro. Uma foi A Muralha, que depois foi transformada em seriado. Eu fazia um índio, onde busquei a relação com o homem brasileiro. Participei de um grupo de trabalho, junto com Flávio Rangel, Juca de Oliveira, Cleyde Yáconis, Gianfrancesco Guarnieri, Lima Duarte, que buscava a conquista do mercado para o ator. Nós éramos tipicamente brasileiros, mas o padrão da escalação era uma coisa importada. Para fazer um protagonista da novela, você tinha de ter uma certa semelhança com um ator americano ou europeu. Nós não tínhamos, então começamos a impor este tipo do homem brasileiro. E começamos a fazer um levantamento de toda esta cultura brasileira. Hoje não falta mais o tipo brasileiro na novela, mas nós conquistamos isso. Esse momento, apesar de não ter tido nenhum personagem, pelo menos de televisão, que tivesse uma popularidade muito grande, teve essa coisa do conteúdo do estudo, da busca. Depois que eu cheguei à Globo, e fiz Cavalo de Aço, Que Rei Sou Eu?, O Dono do Mundo... Fiz o Aleijadinho em Poema Barroco, do Paulo Mendes Campos, que foi um sucesso. Foram coisas que marcaram muito a minha figura de ator. E considero que a minha conquista maior foi na diversificação de personagens. Não marquei um determinado tipo. Eu deixava um bigode, raspava uma barba, cortava o cabelo, sempre preocupado em mudar a figura anterior para aquela que estava no ar. E não faltava trabalho para mim. Porque eu apresentava um estudo sempre, uma possibilidade nova de figura na galeria...
Isso parte de um estudo ou é natural para você ser qualquer coisa?
Stênio Garcia - Exige uma preocupação. Por exemplo, se eu não tiver um domínio corporal muito grande eu não vou conseguir mudar. Você pode ser auxiliado na maquiagem, no figurino, mas é principalmente o ritmo da palavra que faz você mudar. Pratico até hoje perto de 80 exercícios: “Pedro Paulo pacífico e pacato e pachorrento preto da propriedade do meu pranteado pai depois de provar uma pinga promoveu... bela baiana boneca de bronze bailava brejeira... dançam depressa disciplinados e decididos... o rato a ratazana e o ratinho...” Tenho exercícios para todas as letras justamente para criar um ritmo de palavras diferenciado de um personagem para o outro. Mas isso exige uma disciplina muito grande e um esforço, porque você é obrigado a perder, às vezes, quatro, cinco horas por dia de estudo com você mesmo, mesmo que não tenha um trabalho naquele momento.
Glória Perez: parceria constante de Stênio
Stênio Garcia - A relação com o autor é muito importante. Teve a Ivani. Hoje eu trabalho muito com a Glória Perez, já fiz quatro ou cinco novelas dela. Um dos personagens de maior sucesso meu na Globo foi o Tio Ali, de O Clone. Eu dei autógrafo para russos em Nova Iorque por causa da novela. Fui ao Saara, busquei minha ascendência na relação com o árabe, estive um mês no Marrocos onde fucei tudo. Essa coisa acaba desenvolvendo a cor do personagem. Procuro livros que me dêem esse conhecimento, essa emoção. E disponibilizo todo o meu organismo para desenvolver o andamento neste sentido. Como o Dr. Castanho, de Caminho das Índias, que era um personagem que tinha um fundamento social. Estudei profundamente o assunto, devo ter lido pelo menos uns oito livros, freqüentei o Instituto Municipal Nise da Silveira (hospital psiquiátrico).
Que trabalho foi mais difícil fazer?
Stênio Garcia - Em Que Rei Sou Eu?, tive que fazer um ano e meio de acrobacia de solo para compor o personagem. Dei meu primeiro salto mortal aos 57 anos de idade e nunca tinha passado pelo circo. Foi difícil. E eram dois personagens: eu fazia um revolucionário, um dos espadachins da história, e ao mesmo tempo era o bobo da corte que namorava a rainha, o Corcoran. Dois personagens absolutamente diferentes um do outro, que não podiam ficar iguais porque eu tinha de ocultar o revolucionário no bobo da corte. Outro personagem muito difícil foi o Aleijadinho. Era um sofrimento que eu não conhecia. Fiquei com as mãos amarradas para ficar com o tipo de aleijão que ele tinha. A mão ficou amarrada semanas, a unha cresceu e começou a enfiar na minha carne, machucou realmente. Mas foi onde eu conheci a dor daquele personagem. O Antunes brinca dizendo “Eu tenho medo de escalar o Stênio porque se tiver que fazer um alpinista, ele vai escalar o Pão de Açúcar”. E é verdade, eu gosto de viver a experiência porque acho que isso traz um conhecimento a respeito daquilo. Com a minha exigência de querer fazer, eu sou obrigado a me submeter a determinadas coisas que são sacrifícios. O mais comum é você lançar mão do que foi a comunicação mais fácil para você, e é por isso que muitos atores ficam estereotipados. Porque se acomodaram e não procuraram realizar aquilo que é externo a eles, que é difícil para eles. O trabalho do ator tende a ser muito burocrático. Ele só não é quando você faz algum esforço.
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