Em certos países, como EUA ou França, uma letra de
canção dificilmente será considerada como poesia, já na Inglaterra, muitos
letristas são considerados poetas, tais como John Lennon, Paul McCartney e
Morrissey. No Brasil, ainda não há um consenso: “De um lado, vanguardistas,
muito da universidade e a esquerda, em geral, que dizem que aquilo que Caetano
ou Chico fazem é poesia; de outro, escritores e críticos literários e
poeticamente conservadores acham essa idéia escandalosa” (ASCHER, 2002).
A partir de Noel Rosa, a canção popular se tornou
algo mais literário, algo que as pessoas começaram a prestar mais atenção. Por
exemplo, o poeta modernista Manuel Bandeira considerava o verso Tu pisavas nos astros distraída, da canção
Chão de estrelas, que tem letra de
Orestes Barbosa, como um dos mais bonitos da Língua Portuguesa. “A contribuição
de Orestes Barbosa para o desenvolvimento da música popular urbana é o mais
importante exemplo de poetas que atravessaram fronteiras artísticas no inicio
deste século” (PERRONE, 1988, p.18).
Desde a bossa nova, entretanto, muitos poetas se
adentraram no mundo da canção, como o poeta cantor Vinicius de Moraes. Nessa
tradição, usando um exemplo atual, podemos citar Arnaldo Antunes, cantor,
compositor, artista plástico e poeta com livros publicados. Nas décadas de 1960
e de 1970 (época de maior criatividade de Chico Buarque, Caetano Veloso,
Gilberto Gil e que a relação entra música e poesia teve maior efervescência)
vários escritores se aventuraram como letristas: Chacal, Cacaso, Geraldo
Carneiro, Waly Salomão, Torquato Neto, Aldir Blanc.
É sabido que nem toda letra de música é poesia,
depende da produção, pois letra e poesia funcionam através de processos
distintos, apesar de lidarem com a mesma matéria prima, a palavra: “A
perspectiva da canção não é a da literatura, embora em certos casos ela possa
até superá-la em termos formais. A canção é a poesia em seu disfarce mais
simples, mais despido e direto. Vide a sofisticação dos versos de Caymmi, Noel
e Cartola, pra ficar em poucos exemplos” (BALEIRO apud SOUZA, 2007, p.23-5).
O poeta inglês Adrian Mitchell, na introdução do
livro de poemas e letras O canto do
pássaro-preto, de Paul McCartney, revela: “Os esnobismos ainda persistem;
basta estudar as mais respeitáveis antologias e alguém poderia pensar que
poesia é apenas para intelectuais e acadêmicos. [...] freqüentemente há
diferença entre um poema e uma letra de música. As letras tendem a ser menos
concentradas, em parte porque uma canção tem que funcionar instantaneamente, e
em parte porque as palavras precisam deixar espaço para a música respirar,
deixar tempo para o trabalho musical. Numa boa canção, letra e música dançam
juntas, por isso precisam de espaço para dançar” (MITCHELL, 2001, p.18-19).
Como já elencado, a partir do começo do século XX
vários compositores usavam em suas letras muitos recursos literários, como a
intertextualidade, a metáfora. “As letras de canção são mais diretamente
comparáveis com a lírica não musical através dos recursos retóricos e das
figuras de linguagem” (PERRONE, 1988, p.13). No entanto, há recursos
pertinentes à poesia que não podem ser utilizados na canção, assim como o
inverso também ocorre. “A canção exige uma tripla competência; a verbal, a musical
e a lítero-musical, sendo esta última a capacidade de articular as duas
linguagens. [...] pode-se arriscar que certamente a canção não é exclusivamente
texto verbal, nem exclusivamente peça melódica, mas um conjugado das duas
materialidades” (COSTA, 2003, p. 107-8). Por tudo isso, fica evidente que a
questão de letra ser ou não poesia é de ordem de estilo.
ÜBER-FODA!!!
ResponderExcluirSerá imensuravelmente útil em um artigo que tô escrevendo justamente sobre esse assunto! MUITO GRATO!!
Olá! Tem como postar os nomes dos autores que você usa como referência? Porque apenas pelos sobrenomes não dá para encontrar. Grata.
ResponderExcluir