Juca Magalhães é músico, escritor e ex-integrante do grupo “Pó de
Anjo”. É um dos mais requisitados mestre de cerimônias do Estado, com
atuação em eventos públicos e privados. Autor do blog a “Letra Elektrônica” e
textos publicados no Caderno Pensar, do Jornal A Gazeta. É autor dos livros “O
Livro do Pó” e “Da Capo - De Volta às Origens da Orquestra Filarmônica do
Espírito Santo”. Magalhães também trabalha na divulgação e desenvolvimento de
projetos voltados para educação e performance de música, sobretudo canto coral,
clássica e popular. Confira, abaixo, o conto “Um dia de cão”:
UM DIA DE CÃO
Esse causo é baseado (e como!) em fatos reais, mas
que aconteceram de verdade, mesmo...
Doideira e caretice são
coisas que as pessoas acreditam: comportamentos sociais primitivos
estabelecidos por determinadas classes sociais. Com as grandes variações, os
encontros e desencontros da vida, os “diferentes” se esbarram: Romeu e Julieta;
Queijo com goiabada. Doideira e caretice é puro etnocentrismo. Crenças
culturais assumidas por um grupo e rejeitadas por outro, Clube da Luluzinha;
socialmente falando são duas faces da mesma moeda, contrapartidas iguais: são
uma e a mesma coisa.
É preciso admitir que os
doidões tiram da manga histórias bem mais engraçadas do que as pessoas sisudas
que fazem cara feia quando você senta num boteco pra tomar aquela cerveja
gelada e espantar o calor. Querem o quê, bicho? Que o mundo se acabe em
respeito e devoção, em sacrifício e arrependimento? Até têm o direito de pensar
e agir como quiserem, o problema é querer obrigar o resto das pessoas a ser
assim também...
No meio desse bolo que
separa certinhos de desvairados tem um monte de gente que se considera normal,
mas eu não sei não. De pertinho mesmo todo mundo tem uns belisquinhos a menos,
precisa tomar um remedinho, fazer uma terapia...
É como essa coisa de
combater maus tratos aos animais que rola no Facebook. Pode até parecer coisa
de gente mais certinha, mas alguns de meus amigos mais doidões gostam muito de
animais também. Vários que conheci tinham cachorros bastante ensinados e, por
serem melhores amigos, sonhavam em compartilhar um baseado com o bicho. O Betão
mesmo: soprava fumaça no focinho de sua cadela na esperança de ver a coitada
viajando e ainda dava o resto do baseado pra ela comer. Quer maneira melhor de
sumir com o flagrante?
Acho que a Tekinha era um
fox terrier, não sei bem, era um bicho assim. Grandinha, gordinha e muito
brincalhona. Era o xodó na casa do Betão; garotão esperto, filhinho de papai,
surfista e maconheiro: pacote básico completo. Um dia o maluco resolveu
investir no mercado de bagulho e, sem ter lugar melhor pra esconder, enterrou a
parada no quintal. Dentro de casa a mãe podia achar, o pai mandar internar e
todo mundo ficar naquele “baixo astral” de tentar entender onde é que tinha
errado.
Betão passava a ausência
dos pais fumando maconha com os amigos, inclusive a Tekinha que ele carregava
pra cima e pra baixo. O bicho acostumou com o cheiro da droga, associou com a
inhaca do “dono” e a falta que sentia dele quando estava ausente acabou dando
“pobrema”. Como todo mundo de sua idade Betão empurrava a escola com a barriga,
em sua época não existia essa coisa do doidão estudioso. Nesse meio tempo,
Tekinha corria solta pelo jardim ensolarado no final da manhã até que farejou o
cheiro do rapaz.
- Eita! Mas cadê ele? - Cavucou a grama alucinada, rasgou o plástico com as garrinhas afiadas e comeu o bagulho todo que achou. Um quilo inteiro de maconha da boa!
A mãe de Betão preparava o
almoço e achou estranho quando o bicho correu pra dentro da casa batendo as
patas no chão com estardalhaço. Parou de repente na porta da cozinha fitando a
dona com uma puta expressão alucinada e os olhos muito vermelhos: arfando,
babando e balangando os orelhões. A mulher fez uma careta de estranheza. “Que
foi Tekinha?” A cadela correu de volta pro jardim como se fugisse da polícia e
rolou doidarássa pela grama.
Quando o rapaz chegou em
casa viu o barraco armado. Tekinha, depois de correr e aprontar todo tipo de
maluquice, devorou uma grande quantidade de ração e deu um apagão. Betão ficou
puto da vida, mas ia fazer o quê? Virar piada da galera, virar lenda, mas para
isso acontecer faltava encarar a fronteira final. Uma hora o bicho ia ter que
devolver “o produto” à natureza. Conta a lenda que Betão e os seus comparsas
meteram mesmo a mão na massa e fumaram daquilo tudo o que pintou...
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