sexta-feira, 26 de abril de 2013

LETRA DE MÚSICA TAMBÉM É POESIA?



Em certos países, como EUA ou França, uma letra de canção dificilmente será considerada como poesia, já na Inglaterra, muitos letristas são considerados poetas, tais como John Lennon, Paul McCartney e Morrissey. No Brasil, ainda não há um consenso: “De um lado, vanguardistas, muito da universidade e a esquerda, em geral, que dizem que aquilo que Caetano ou Chico fazem é poesia; de outro, escritores e críticos literários e poeticamente conservadores acham essa idéia escandalosa” (ASCHER, 2002).

A partir de Noel Rosa, a canção popular se tornou algo mais literário, algo que as pessoas começaram a prestar mais atenção. Por exemplo, o poeta modernista Manuel Bandeira considerava o verso Tu pisavas nos astros distraída, da canção Chão de estrelas, que tem letra de Orestes Barbosa, como um dos mais bonitos da Língua Portuguesa. “A contribuição de Orestes Barbosa para o desenvolvimento da música popular urbana é o mais importante exemplo de poetas que atravessaram fronteiras artísticas no inicio deste século” (PERRONE, 1988, p.18).

Desde a bossa nova, entretanto, muitos poetas se adentraram no mundo da canção, como o poeta cantor Vinicius de Moraes. Nessa tradição, usando um exemplo atual, podemos citar Arnaldo Antunes, cantor, compositor, artista plástico e poeta com livros publicados. Nas décadas de 1960 e de 1970 (época de maior criatividade de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e que a relação entra música e poesia teve maior efervescência) vários escritores se aventuraram como letristas: Chacal, Cacaso, Geraldo Carneiro, Waly Salomão, Torquato Neto, Aldir Blanc.

É sabido que nem toda letra de música é poesia, depende da produção, pois letra e poesia funcionam através de processos distintos, apesar de lidarem com a mesma matéria prima, a palavra: “A perspectiva da canção não é a da literatura, embora em certos casos ela possa até superá-la em termos formais. A canção é a poesia em seu disfarce mais simples, mais despido e direto. Vide a sofisticação dos versos de Caymmi, Noel e Cartola, pra ficar em poucos exemplos” (BALEIRO apud SOUZA, 2007, p.23-5).

O poeta inglês Adrian Mitchell, na introdução do livro de poemas e letras O canto do pássaro-preto, de Paul McCartney, revela: “Os esnobismos ainda persistem; basta estudar as mais respeitáveis antologias e alguém poderia pensar que poesia é apenas para intelectuais e acadêmicos. [...] freqüentemente há diferença entre um poema e uma letra de música. As letras tendem a ser menos concentradas, em parte porque uma canção tem que funcionar instantaneamente, e em parte porque as palavras precisam deixar espaço para a música respirar, deixar tempo para o trabalho musical. Numa boa canção, letra e música dançam juntas, por isso precisam de espaço para dançar” (MITCHELL, 2001, p.18-19).

Como já elencado, a partir do começo do século XX vários compositores usavam em suas letras muitos recursos literários, como a intertextualidade, a metáfora. “As letras de canção são mais diretamente comparáveis com a lírica não musical através dos recursos retóricos e das figuras de linguagem” (PERRONE, 1988, p.13). No entanto, há recursos pertinentes à poesia que não podem ser utilizados na canção, assim como o inverso também ocorre. “A canção exige uma tripla competência; a verbal, a musical e a lítero-musical, sendo esta última a capacidade de articular as duas linguagens. [...] pode-se arriscar que certamente a canção não é exclusivamente texto verbal, nem exclusivamente peça melódica, mas um conjugado das duas materialidades” (COSTA, 2003, p. 107-8). Por tudo isso, fica evidente que a questão de letra ser ou não poesia é de ordem de estilo.  

2 comentários:

  1. ÜBER-FODA!!!
    Será imensuravelmente útil em um artigo que tô escrevendo justamente sobre esse assunto! MUITO GRATO!!

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  2. Olá! Tem como postar os nomes dos autores que você usa como referência? Porque apenas pelos sobrenomes não dá para encontrar. Grata.

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