Sandro Bahiense é professor, bibliotecário e amante das coisas que envolvam escrita. Lançou em 2008, em parceria de Ricardo Salvalaio e de mais 7 colegas poetas, a coletânia de poesias "8 Vezes Poeta", trabalho em que pôde expor um pouco de seus sentimentos e arte. Ficou conhecido entre os colegas da UFES por fazer uma crônica para cada um deles. Além de crônica e poesia, Sandro também escreve artigos de opinião, contos e máximas. Tais trabalhos podem ser vistos em seu próprio blog cujo endereço é http://sandrobahiense.blogspot.com/. Sandro trabalha também, claro, neste blog como um dos colunistas. Confira, abaixo, o conto intitulado "Um copo de uísque":
UM COPO DE UíSQUE
Quanto vale fugir da melancolia? Para Celso esta é uma pergunta sem resposta. Sua vida toda está embriagada por desilusão e tomada por desespero e tristeza. Um copo de uísque. Esta tem sido a medida da fuga que ele tem. Todos os dias cansados da vida nojenta, dos homens nojentos, de todos que o olham com aquele olhar nojento de bom samaritano, Celso bebe. E bebe para esquecer. Esquecer que vive nesse mundo que ele próprio chama de “esgoto habitável”.
É muito para Celso compreender como os homens conseguem ser tão vis às vezes, como crianças podem ser mortas como são, como há tanta gente pobre e miserável, e como pode haver tanta mesquinharia no mundo, e como não compreende, foge. Todos aqueles bons samaritanos de merda, hipócritas revestidos como lobos em pele de cordeiro. Dizendo-me que sou fraco, que tenho um problema, que preciso dar a “volta por cima”, diz ele enquanto balança o copo para ouvir o barulho do gelo batendo. Todos eles, insiste.
Eles não sabem de nada. Fracos são eles que não percebem. Não percebem o quanto de podridão que estamos envolvidos, o quanto de maldade que há em nossos corações. Estão todos alienados meu Deus! Como é que pode? Não querem enxergar aquilo que está na cara, ou fingem que não querem enxergar sei lá?!? Diz enquanto balança o copo. Então eu tenho um problema? Problema tem aquelas donas-de-casa de coco que ficam religiosamente assistindo aquelas novelas de bosta, vendo aqueles bonitões e aquelas gostosonas vivendo uma vida que não é, e nunca será, delas. Deixa a janta para as oito horas grita uma dessas donas-de-casa, “pra depois da novela” elas fazem questão de salientar como se isso fosse um direito seu, uma virtude até, assistir novela. Mais problema tem o “papai” dessa família, assistindo o Jornal Nacional, acho que no fundo mesmo ele fica pensando é nas pernas da
Patrícia Poeta por debaixo daquele balcão, porque é inadmissível pensar que ninguém entenda que é manipulado da forma mais ridícula possível. No final depois da “notícia bonitinha” o “chefe” da família sai feliz da frente do televisor após o “boa noite” do Willian Bonner com aquele cabelo ridículo com mexa branca. Quando vai a rua o cara fala com propriedade sobre CPI, CPMF, IBGE sem nem ao menos saber o que significa estas siglas. Ah, e essa família “certinha” ainda deve ter uma filha que ouve Calipso, Latino, ou algum funk da moda, todos sugerindo, ou melhor, mandando, os seus fãs imitarem passos de dança, normalmente “balançando a bundinha” ou algo do tipo. Quando vejo shows desses grupos fico com a impressão de ver vários macacos na platéia imitando ridiculamente os passos de dança do cantor. Com muita sorte essa família pode ter um caçula que goste de jogar Street Fighter, ou qualquer jogo com nome em inglês, onde o objetivo é rancar a cabeça do adversário. Mas...
Realmente. Eu é que tenho problema, diz, colocando mais uma dose de uísque. Não é problema vivermos em um mundo racista, não é problema vivermos controlados pela “nação número um” que são os Estados Unidos, não é problema vivermos em guerra, mutilados, presos pela violência urbana, realmente isso não é problema. Talvez o problema mais grave do mundo seja o meu. Meu Deus quanta hipocrisia. Minha garrafa de uísque acabou. Acho que é hora de dar um final para isso tudo.
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