MÉDIA-METRAGEM
“CAIS DOS CÃES”, DE MARCOS VERONESE, EXPÕE AS CONTRADIÇÕES DA VIDA NAS CIDADES
E O ESVAZIAMENTO DAS RELAÇÕES SOCIAIS, ATRAVÉS DA HISTÓRIA DE DOIS BRASILEIROS
TPIPICOS
Inspirado
na crônica "José Versus José", do jornalista Pedro Maia, o
média-metragem “Cais dos cães”, que tem roteiro e direção de Marcos Veronese,
aborda questões de migração do homem do campo para a cidade e o choque cultural
causado pela diferença entre esses dois espaços. Terceiro projeto do autor e
realizado por meio da Lei Rubem Braga, “Cais dos Cães” mostra contrastes
étnicos e sociais por meio de tomadas feitas na área urbana moderna de Vitória
e ambientes históricos, como o mercado da Vila Rubim e o Porto de Vitória.
Na
trama, José Gonçalves é um camponês que sonha com dias melhores. O acaso coloca
em sua pacata vida um estranho que lhe dá um cartão e faz um convite: trabalhar
na cidade grande deixando para traz o sítio onde vive com sua mulher Maria e a
filha Vitória. A saga de José começa quando chega à cidade grande, que para ele
é como um bicho vivo e arquejante. José torna-se mais uma das milhares de
criaturas humanas que se movem pelas ruas. José Francisco, policial, como todo
suburbano enfrenta a dureza de uma vida difícil. Seu principal desejo é
encontrar um temido bandido procurado e prender a fera depois de uma
movimentada troca de tiros. O destino coloca frente a frente os dois Josés,
definindo os rumos de suas vidas.
O
filme conta com apoio da Lei Rubem Braga e parte dos recursos da ArcelorMittal
Brasil. A obra foi lançada no dia 14 de setembro no Cine Metropólis (UFES) e é
estrelada por Gustavo Feu, Eva Stein, Thayna Caldas, Markus Konka, Jadyr
Dadalto, Marcos de Castro, Suely Bispo, Verônica Gomes, Rick Debiazze, Bruna Barbarieri,
Robson Fernandes e Paulo DePaula.
Numa mais-valia
desigual, José Gonçalves é um explorado, pois tem sua força de trabalho roubada
por um fazendeiro, que furtou terras que eram de sua família, o que nos remete
ao personagem Paulo Honório do livro “São Bernardo”, de Graciliano Ramos.
Inconformado com seu destino de sem terra, o personagem principal, como muitos
do interior brasileiro, vive a utopia de redenção na cidade. Entretanto, esta
prosperidade não é bem vista por sua esposa Maria, por não ser um sonho
concreto, palpável. Aqui, a estética de Marcos Veronese remete ao filme “O
mundo global visto do lado de cá”, do cineasta brasileiro Sílvio Tendler, pois
o lugar (cidade) é o palco da globalização. Um pequeno agricultor vive os
preceitos da globalização porque acha que ela trará garantias de
satisfação. Ademais, tudo gira em torno
do dinheiro, que é o mediador de todas as relações na vida contemporânea. O
próprio título revela que homem pós-moderno é estressado e de pouco raciocínio,
se aproximando assim dos animais. A cidade seria um circo de feras.
Parque
Moscoso
Ao chegar à cidade, José
percebe que o sonho urbano não é tão belo. Sem dinheiro, sem comida e sem
ajuda, o imigrante passa a dormir num banco do Parque Moscoso. Neste trecho, a
maior parte das cenas são passadas no período noturno, representando uma
escuridão que turva tudo, os passos e a própria certeza da vida. Como alerta o
sociólogo polonês Bauman, “as cidades se transformam em depósitos de problemas
causados pela globalização”. Assim, nos grandes centros urbanos se encontram
novos e intensos fluxos populacionais que deliberam uma elite consumindo as
oportunidades da economia e uma base periférica, pobre, degradada e marginal, a
qual José Gonçalves pertence.
(Des)ordem social
Um enterro
inicia e finda a obra. Entretanto, ao longo do filme não se sabe quem é o
defunto, que é morto covardemente por um policial despreparado sempre disposto
a mostrar serviço e que não se importava com sentimentos e direitos alheios. Assim,
o ato demonstra a superficialidade das relações interpessoais da nossa era. “Cais dos Cães” é
repleto de personagens da vida real que “morrem para si mesmos”, sendo a morte
fuga dessa vida desigual e curta. Num estro que remete a Jean-Luc Godard, por
mostrar num teor de denúncia a verdade nua e crua, questões pertinentes são elencadas,
como metafísica, filosofia, desigualdades e a (des)ordem social do mundo.
“Cais dos
Cães” é um belo exemplo do expoente Cinema Capixaba, que desde o filme “As
Horas Vulgares” (2011), de Vitor Graize e Rodrigo de Oliveira, tem revelado
ótimas produções. No melhor estilo glauberiano, “Cais” expõe as contradições da
vida urbana
e o esvaziamento das relações sociais e as conseqüências disso, como a solidão,
a comunicação escassa e as relações interpessoais vazias ao extremo.
(Texto de Ricardo Salvalaio publicado no Caderno
Pensar, do Jornal A Gazeta, no dia 20/10/2012)
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