sábado, 6 de outubro de 2012

LICENÇA CRÔNICA: CARLOS ALEXANDRE DA SILVA ROCHA



Carlos Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “A entrevista”:

 

A entrevista


É a milésima vez que procura emprego. Apesar da impaciência, já fez coisas inimagináveis para consegui-lo, como viajar por seis municípios em seu encalço. Após percorrer de cabo a rabo cada município, Almeidinha chegou lá, onde nem o Judas perdeu as botas, pois no meio do caminho desistiu e deu meia volta. A ida fora em vão, só era para entregar currículos. Almeidinha, atirando seu Vitae na cara da mulher, disse:
– Enfie em teu incauto buraco! Gostava de palavras bonitas, sua vingança era fazer o ofendido recorrer ao dicionário e, se sofresse de miopia das bravas, melhor ainda! As letras miudinhas empregarão o resto da vingança.

Não era paciente. Odiava perguntas sem sentido.
– Por que o senhor quer trabalhar na nossa empresa?

Na mente do Almeidinha perpassavam várias torturas, ao escutar esse questionamento, como sufocá-la com o seu currículo, ou espetar seus pés com o grampeador... Entretanto, escolheu responder as perguntas em um tom irônico.

– Bom, pretendo trabalhar na sua empresa, pois sempre fui um homem sem muitas ambições, né. Tenho sonhos simples, queria ser astronauta, mas como a NASA não respondeu a minha cartinha que eu mandei quando tinha cinco anos, resolvi passar o resto dos meus dias trabalhando de sábado a sábado num emprego em que tenho que lidar com público que, aliás, considero quase um trabalho diplomático. Trabalhar aqui é como trabalhar na ONU, é quase um trabalho humanitário!

–É sério?
– É claro que não, minha filha! Onde se viu astronauta e diplomata ganhando essa miséria que vocês pagam? Até ONG tem lucro... Com essa mixaria não dá nem pra limpar a bunda suja de merda!
– Mas, seu Almeida, o que importa na vida é o aprendizado e não o dinheiro...

O que mais irrita o Almeidinha além da burrice é a mentira disfarçada de falsa modéstia, como no caso era uma mistura dos dois, foram necessários três homens para tirar o Almeidinha de cima da mulher. A coitada quase morreu engasgada com todos os currículos que estavam sob a mesa. 


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