Na canção Você
só pensa em grana, de Zeca Baleiro, o amor é tão somente um produto a ser
consumido. Essa é uma temática recorrente no estro do autor maranhense. “O desvanecimento das habilidades de sociabilidade
é reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista
dominante, a tratar os outros seres humanos como objetos de consumo e a
julgá-los, segundo o padrão desses objetos, pelo volume de prazer que
provavelmente oferecem e em termos de seu ‘valor monetário’”, alerta Zygmunt
Bauman. Assim sendo, consideremos a letra da canção Você só pensa em grana, que pertence ao disco Líricas, de 2000:
Você só pensa em grana
Você só quer saber
Quanto custou a minha roupa
Custou a minha roupa...
Você só quer saber
Quando que eu vou
Trocar meu carro novo
Por um novo carro novo
Um novo carro novo
Meu amor!...
Você rasga os poemas
Que eu te dou
Mas nunca vi você
Rasgar dinheiro
Você vai me jurar
Eterno amor
Se eu comprar um dia
O mundo inteiro...
Quando eu nasci
Um anjo só baixou
Falou que eu seria
Um executivo
E desde então eu vivo
Com meu banjo
Executando os rocks
Do meu livro
Pisando em falso
Enquanto você rir
No seu conforto
Enquanto você
Me fala entre dentes
Poeta bom meu bem
Poeta morto.
Na primeira estrofe da canção, o poeta já apresenta
a principal característica da sua amada: o fato dela apenas se importar com o
dinheiro. Logo depois, vai revelar que a amada somente é preocupada com o valor
de suas vestes e com o seu carro. Assim, de inicio, já notamos que a amada não
se preocupa com eu lírico e sim com o que ele representa monetariamente. Dando
seqüencia, na terceira estrofe, as características da amada são reforçadas pelo
sujeito. A amada destrói os poemas que ganha do eu poético, porém nunca
destruiu dinheiro.
O poeta também alerta para o fato de que se ele
comprar tudo terá todo amor da sua musa consumista. Zygmunt Bauman em Amor
Líquido revela: “Os outros são avaliados como
companheiros na atividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas
alegrias do consumo, cujas presença e participação ativa podem intensificar
esses prazeres” (BAUMAN, 2004, p.96). Ou seja, a amada tem o poeta como
unicamente um parceiro de consumo. O “discurso amoroso” da musa é o inverso do
que propõe Roland Barthes: “O discurso amoroso não é desprovido de cálculos: eu
raciocino, faço contas às vezes, seja para obter determinada mágoa, seja para
representar interiormente ao outro, num movimento de humor, o tesouro de
engenhosidades que esbanjo a troco de nada em seu favor (ceder, esconder, não
magoar, divertir, convencer, etc.). Mas esses cálculos são apenas impaciências:
não há pensamento de um lucro final: o Gasto está aberto, ao infinito, a força
deriva, sem finalidade (o objeto amado não é uma finalidade: é um objeto coisa,
não um objeto fim).
O “amor” da “deusa da grana” é relacionado ao
lucro, aos interesses materiais. A amada, desse modo, busca moda e consumo, ou
seja, as lógicas do mundo capitalista. Isso fica claro ao notarmos que a amada
não considera a função social do sujeito (Poeta) e até despreza-o ao rasgar os
poemas que ganha. A musa consumista é altamente influenciada pelo status
social, tendo em vista que desconsidera o oficio de poeta.
Na quarta estrofe, o eu poético vai apresentar
algumas características de sua vida. O primeiro verso é um intertexto com
Drummond: “Quando eu nasci, um anjo
torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”.
O eu lírico assume uma posição de gauche
(torto) no mundo, pois um anjo lhe revelou que o sujeito seria um executivo
(profissão de alto prestigio) e isso não aconteceu na realidade. O eu poético
faz uma comparação entre sua vida e a da amada ao dizer que pisa em falso com
seus panos quentes enquanto a musa ri confortavelmente. Por esse trecho,
infere-se a dicotomia existente na canção.
De um lado, temos o poeta, que não se preocupa
tanto com bens materiais e busca ser amado pelo que é e não pelo que possui
monetariamente. Suas ações são baseadas nas relações pessoais, na coletividade.
De outro, a amada, a qual visa o status social a qualquer preço e cujas ações
são baseadas no interesse, no ganho financeiro. No final da estrofe, temos
novamente uma refutação da amada em relação à posição social do sujeito
(Poeta). A musa capitalista diz, entre dentes: “Poeta bom meu bem poeta morto”. Sendo assim, a musa desconsidera
não só o oficio do poeta como também sua pessoa e que sua imagem representa pra
sociedade em
geral. Zygmunt Bauman conclui: “Os valores intrínsecos dos
outros como seres humanos singulares (e assim também a preocupação com eles por
si mesmos, e por essa singularidade) estão quase desaparecendo da vista. A
solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado
consumidor”.
Desse modo, a canção Você só pensa em grana retoma a canção Piercing, por mostrar o amor unicamente como produto a ser
consumido e por revelar um ser individualista que é problemático em se tratando
de relações interpessoais.
(Ricardo Salvalaio)
(Ricardo Salvalaio)
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