Desde o final dos anos 50 vinha o Brasil lutando
para se libertar do complexo de “país de segunda classe”. Nossas culturas,
populares e musicais resultantes de miscigenação das culturas europeia,
africana e indígena estavam tomando seus primórdios caminhos ao reconhecimento
nacional e internacional. O sucesso da Bossa Nova com aceitação internacional,
e outras conquistas de afirmação nacional fizeram da década de 60 um período de
grande exacerbação de nacionalismo. Além disso, também aumentou o grau de
conscientização política dos problemas e carências do povo brasileiro acirrando
as disputas ideológicas entre os vários segmentos da população. Após o desastre
da administração do presidente Jânio Quadros e com a ascensão de João Goulart
em 1961 aumentaram os conflitos sociais, resultando no golpe militar de 1964.
(Ditadura Militar).
Historicamente, 1964 foi um ano profundamente
marcante para o Brasil. O golpe militar de 31 de março anularia de vez o sonho
modernizante que vinha do governo Juscelino Kubitschek e as possibilidades de
reformas sociais que foram propostas na época por João Goulart. O país deixava
de olhar o futuro e passava a acompanhar o ritmo soturno da ditadura que se
prolongaria por muitos anos. No início, o general Castelo Branco deu
surpreendentes concessões aos setores culturais, permitindo assim que as
vanguardas pipocassem e formidáveis arrojos artísticos se realizassem. Em 1968
é o ano mais importante da década de 60 e um período divisor de águas para o
século 20. Nesse período, a juventude do Ocidente passava a exigir mudanças,
rupturas e atitudes arrojadas. Em maio de 1968, milhares de pessoas saem às
ruas de Paris, em protestos que misturavam política e novos rumos do
pensamento.
A cultura musical brasileira acompanhou todas essas
mudanças com a afirmação da Bossa Nova e o surgimento das músicas de cunho
social apresentadas principalmente nos “Festivais de Música Brasileira”,
principalmente os da TV Excelsior e TV Record; assim surgiram composições
sociais de Sérgio Ricardo, Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, Caetano
Veloso, Geraldo Vandré, Torquato Neto, Heraldo do Monte, Hilton Acioli e muitos
outros. “Apesar de combatida pelos críticos mais exigentes, a música popular,
cantada ou instrumental, se firmou no gosto das novas camadas urbanas, seja nos
extratos médios da população, seja nas classes trabalhadoras, que cresciam
vertiginosamente com a nova expansão industrial na virada do século XIX para o
século XX” (NAPOLITANO, 2005, p. 16).
Compositores não engajados nos movimentos sociais
também passaram a compor músicas de fundo social em função da censura imposta
pelos governos militares da época. A grande divulgação de cantores
americanos de rock através do cinema e gravadoras ajudou também o
nascimento do rock brasileiro com ampla divulgação da mídia nos anos 60; um dos
principais incentivadores, o compositor e radialista Carlos Imperial fundou em
1958 o Clube do Rock, no Rio de Janeiro, onde se apresentavam e se reuniam os
amantes do rock; nesse clube iniciaram suas carreiras Roberto Carlos e Erasmo
Carlos. A parcela de público que preferia músicas oriundas do rock passou a ter
seu espaço musical com programas específicos na televisão cujo ápice foi o
programa “Jovem Guarda” iniciado em 1965 com Roberto, Erasmo e Vanderléia
permanecendo no ar pela TV Record durante vários anos.
Sob influência da Jovem Guarda e dos Beatles nasceu
em 1967 o Tropicalismo, movimento de vanguarda liderado por Caetano Veloso,
Rogério Duprat, Gilberto Gil, Júlio Medaglia e outros; suas principais
composições foram "Tropicália“ "Domingo no Parque” e “Alegria,
Alegria” onde era incentivada a universalização da música brasileira inclusive
com utilização de guitarras elétricas e absorção de vários gêneros musicais:
pop-rock, música de vanguarda, frevo, samba, bolero, etc. Assim na década de 60
três novas grandes vertentes musicais podem ser identificadas: “Bossa Nova,
Músicas sociais de festivais e Rock da jovem guarda”; evidentemente músicas com
ritmos tradicionais como samba, samba canção, músicas de carnaval e músicas
regionais continuaram a ter seu espaço, mas com menos divulgação e menor
sucesso que as três citadas.
A música popular brasileira sempre reservou aos
seus compositores marginais os capítulos mais interessantes de sua história.
Donos de carreiras irregulares e, não raros, com existências trágicas, os
“artistas malditos” sempre estiveram no acostamento do sucesso. Embora o
folclore que os cerca sirva para torná-los figuras ímpares, quase míticas, a
realidade para esses artistas não teve o mesmo lirismo que se costuma creditar
a eles. Sérgio Sampaio foi um desses artistas. Marginalizado pelas gravadoras,
pelo público e, talvez, até por ele mesmo, chegou a passar fome. Mas, se não
conseguiu sucesso e reconhecimento imediatos, ao menos Sampaio agregou em torno
de si, poucos, mas fervorosos seguidores que ainda hoje carregam seu nome.
Assumindo uma postura de
“maldito” numa época em que nomes importantes da MPB estavam no exílio,
trabalhando sob o impacto esmagador da extraordinária geração surgida nos
festivais de canção da segunda metade dos anos 1970, Sérgio Sampaio estreou com
um álbum que combinava samba, rock e marcha-rancho, entre outros gêneros, e que
resumia com perfeição o clima de baixo-astral do momento. Embora a faixa-título
tenha sido o único sucesso obtido pelo autor em toda sua carreira, “Eu quero é
botar meu bloco na rua” contém um punhado de canções notáveis, como “Filme de
terror”, “Pobre meu pai” e “Eu sou aquele que disse”. Elas retomam alguns dos
principais temas do momento, o elogio da loucura, a sensação de marginalidade,
a paranoia generalizada, o estranhamento entre as gerações. “Antes de sua morte
prematura, Sérgio Sampaio ainda pôde lançar dois outros discos, deixando
inacabado um quarto, lançado postumamente; mas sua obra-prima é sem dúvida seu
trabalho de estreia, de importância fundamental para a compreensão do período
da história da nossa música popular entre o fim da era dos festivais e a
eclosão do rock - Brasil dos anos 1980” (BRITTO, 2009).
Houve um ápice na obra e na carreira do cantor e compositor Sérgio
Sampaio (1947-1994), mas quase tudo acabou sufocado pelo sucesso estrondoso da
marcha-rancho "Eu Quero é Botar meu Bloco na Rua", lançada em 1972.
Avesso à superexposição e às exigências da indústria fonográfica, Sampaio meteu
os dois pés na jaca e, às margens da fama do conterrâneo Roberto Carlos e do
parceiro Raul Seixas, construiu uma carreira pouco sólida, embora muitíssimo
rica e feita de canções que tratavam sem meias-palavras
das angústias, dos amores, dos desafetos, dos desejos e das frustrações que o
artista capixaba colecionou em 47 anos de vida. Uma delas, "Eu
Sou Aquele que Disse", dá nome ao livro que celebra os 60 anos de
nascimento deste botafoguense fanático que fez troça da própria loucura,
desprezou tanto a ditadura militar quanto a luta armada que se propunha a
derrubá-la, Sérgio Sampaio, elegeu o desbunde como solução política e existencial. “Sérgio experimentou uma
grande identificação com o estilo de vida dos poetas românticos do século
XVIII, que viviam intensamente a arte, o amor e as madrugadas a céu aberto, e
morriam jovens quase sempre de tuberculose. Ele até mesmo acreditava que
morreria jovem como eles. Mas tarde, seriamente interessado em literatura
escreveria seus próprios contos, herméticos e kafkianos, de difícil
interpretação. Fazia uns contos que ninguém entendia” (MOREIRA, 2003, p. 23).
Sérgio Moraes Sampaio (Cachoeiro de Itapemirim, 13
de abril de 1947 - Rio de Janeiro, 15 de maio de 1994) foi um cantor e
compositor brasileiro e, no dizer do cantor Lenine, um nome marginalizado que
equipara a Tim Maia e Raul Seixas, como um dos "malditos" da música
popular brasileira. Suas composições variam por vários estilos
musicais, indo dos folclóricos samba e choro, ao rock'n roll, blues e balada.
Sobre a poética de suas composições, em que se vê elementos de Kafka e Augusto
dos Anjos, que lia e apreciava. Declarou num estudo Jorge Luiz do Nascimento: “A
paisagem urbana em geral, e a carioca em particular, na poética de Sérgio
Sampaio, possui a fúria modernista. Porém, o espelho futurista já é um
retrovisor, e o que o presente reflete é a impossibilidade de assimilação de
todos os índices e ícones da paisagem urbana contemporânea” (NASCIMENTO, 2007).
Filho
de Raul Gonçalves Sampaio, dono de uma tamancaria e maestro de banda, e de
Maria de Lourdes Moraes, professora primária, era primo do compositor Raul
Sampaio Cocco (autor de sucessos na voz do conterrâneo Roberto Carlos). Ali
assistiu o pai compor a canção "Cala a boca, Zebedeu", quando tinha
16 anos e que veio a gravar mais tarde. Tocando violão, era um artista nato que
buscava mostrar seus trabalhos. "Ele estava sempre sedento para mostrar
suas músicas, precisava de uma orelha e nunca fez doce para tocar", como
registrou seu primo João Moraes. (MACHADO, 2007).
Aficcionado
pelos programas de rádio, onde acompanhava os cantores da época como Orlando
Silva, Sílvio Caldas ou Nelson Gonçalves, que o inspiravam, veio a tornar-se
imitador de radialistas como Luiz Jatobá e Saint-Clair Lopes, conseguindo
trabalho numa emissora da cidade natal, a XYL-9. Em 1964 tentou trabalhar no
Rio de Janeiro na Rádio Relógio, retornando após quatro meses. Em fins de 1967
muda-se definitivamente para o Rio, inicialmente para tentar a carreira como
radialista, embora não tenha conseguido firmar-se em nenhum trabalho por
frequentar a vida boêmia carioca, atraído pela música e a bebida; mora em
pensões baratas e até na rua, chegando a mendigar comida. Sérgio tinha passado
a cantar à noite, em bares, até que em fevereiro de 1970 demite-se da Rádio
Continental para dedicar-se integralmente à música.
Nos primeiros anos na cidade carioca Sérgio Sampaio
viveu intensamente as noites cariocas. Tão intensamente que não se firmou em
emprego nenhum, por "nunca recusar um convite, a qualquer hora do dia ou
da noite, para um programa envolvendo música e bebida". Sérgio Sampaio
sempre pautou sua força criativa na palavra. Escrevendo em primeira pessoa,
fazia de suas letras uma espécie de crônica musicada do seu mundo, visto a
partir de um olhar lírico, melancólico, irônico, crítico, revoltado. Enfim, um
olhar diferenciado, de um artista indócil que jamais se encaixou em rótulos e
em modelos preestabelecidos. No fundo, a obra de Sérgio Sampaio gravita em
torno do amor e de suas desventuras. Fazia-o ao seu modo, sem sentimentalismo,
porém com intensidade, humor, originalidade. E o ritmo e/ou gênero musical
funcionavam, para ele, como veículos para expressar seus sentimentos em forma
de canção; daí a razão pela qual jamais se prendeu a um único estilo, passeando
pelo choro, samba, marcha-rancho, rock, blues, etc.
Apesar de suas músicas primarem pela simplicidade
harmônica e suas letras pela linguagem cotidiana, Sérgio nunca conseguiu
popularizá-las. Essa culpa o perseguiu durante toda a vida: "Quem faz um
Bloco na Rua só pode ser povão", dizia ele, um típico homem do povo que
podia ser visto nos botecos, tomando em pé a sua pinga. O rótulo de
"maldito" que as gravadoras e a mídia pregaram-lhe na testa acabou
atravancando sua carreira, antes mesmo que ela pudesse realmente começar. Na
verdade, é a partir do Festival Internacional da Canção de 1972 que Sérgio
Sampaio vislumbra seu ingresso no clube fechado da MPB. Feita em dezembro de
71, a marcha-rancho Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua acabou sendo, segundo
Rodrigo Moreira, "uma síntese artística e existencial de tudo o que o
compositor viu e viveu; uma projeção de anseios tão pessoais quanto
identificados com a coletividade naquele momento histórico". Vale lembrar
que o Brasil atravessava seu pior momento político nas mãos do regime militar.
A canção é porta-voz do Brasil. Tão importante como
a História, a Literatura, o Teatro, o Cinema e as Artes plásticas, infelizmente
a música brasileira tem merecido poucos estudos e análises, embora a escassez
de títulos venha sendo revertida ultimamente embora a maioria deles priorize a
biografia de cantores e compositores. A música popular tem sido um dos campos
de estudo de cientistas políticos, historiadores, sociólogos entre outros
campos de atuação, que estão à frente de um dos mais importantes grupos de
estudo sobre o tema, numa leitura que cruza referências estéticas, históricas e
políticas. É com esse empenho que ela chega a uma verdadeira reformulação dos
estudos para se concretizar a harmonização entre os diversos campos dos
saberes.
O capixaba Sérgio Sampaio foi daqueles artistas não
reconhecidos, ou melhor, não adequadamente avaliados em seu tempo. Em plena
ditadura Médici, estourou nacionalmente com "Eu quero é botar meu bloco na
rua", histórica marcha-rancho, um dos mais eloquentes protestos da MPB
contra a ditadura. Ainda jovem e imaturo, com todas as atenções voltadas para
si, respondeu com "Odete", "Viajei de trem" e "Meu
pobre blues", demonstrando sua categoria e versatilidade como compositor,
mas parecia estigmatizado por aquela música tão marcante. Com "Velho
bandido" e o LP “Tem que acontecer” ganhou aplauso da crítica, sem, no
entanto alcançar uma repercussão popular significativa. Incompatibilizado com a
indústria musical, de meados dos anos 70 em diante resolveu trilhar um
solitário caminho à margem do mercado, gravando apenas mais um LP, o
independente "Sinceramente", de 1982, e fazendo shows em teatros
underground e bares.
“MEU POBRE BLUES”
Sérgio Sampaio / Composição: Sérgio Sampaio
Meu amigo, / Um dia eu ouvi maravilhado / No
radinho do meu vizinho / Seu "rockzinho" antigo / E foi como se
alguma bomba / Houvesse explodido no ar / E todo o povo brasileiro / Nunca mais
deixou de dançar / E desde aquele instante / Eu nunca mais parei de tentar /
Mostrar meu blues pra você cantar. Foi inútil... / Eu juro que tentei compor /
Uma canção de amor / Mas tudo pareceu tão fútil / E agora que esses detalhes /
Já estão pequenos demais / E até o nosso calhambeque / Não te reconhece mais /
Eu trouxe um novo blues / Com um cheiro de uns dez anos atrás / E penso ouvir
você cantar. Mesmo que as mesmas portas / Estejam fechadas / Eu pretendo entrar
/ Mesmo que minha mulher / Depois de me escutar / Ainda insista / Que você não
vai gostar. Mesmo que o gerente / O assistente ou o inteligente / Anda não me
queira acreditar / Vou fingir que tudo isso não é nada / E que ainda algum dia,
em plena praça / Eu posso te encontrar. Blues tão rico / Só que já não esconde
/ Que o meu pobre coração / Está ficando um tanto quanto aflito / Pois deve
estar pintando o tempo / Em que você começa a gravar. No seu próximo disco / Eu
queria tanto ouvi-lo cantar / Eu não preciso de sucesso / Eu só queria ouvi-lo
cantar / Meu pobre blues... E nada mais... É tão simples...
REFERÊNCIAS
BRITTO, Paulo Henriques. Eu quero é
botar meu bloco na rua. De Sérgio Sampaio /
Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009, 96 p.
MACHADO, João de Moraes, Eu
sou aquele que disse. João Moraes Machado (Org.). Vitória: PPGL / MEL,
2007, 103 p.
MOREIRA, Rodrigo, Eu
quero é botar meu bloco na rua: a biografia de Sérgio Sampaio. 2 ed.
Niterói. Muiraquitã, 2003.
NAPOLITANO, Marcos. História
e Música: história cultural da música popular. 2. ed. rev. Pelo autor
Belo Horizonte: Autentica, 2005, 117 p.
NASCIMENTO, Jorge Luiz do. Lugares
suspeitos, terras de ninguém: alguns territórios de Sérgio Sampaio. In:
MACHADO, João de Moraes, Eu sou aquele que disse. João Moraes Machado (Org.).
Vitória: PPGL / MEL, 2007. p. 31-49.
(Texto de Lucimar Simon)
Lucimar Simon nasceu em Linhares – ES em 1977. Suas influências são diversas perpassando por autores de Clássicos da Literatura Brasileira e Estrangeira. Busca ler e acompanhar a Literatura Contemporânea bem como os ditos “poetas marginais”. Seus textos compõem uma escrita simples dedicada a fatos cotidianos, memórias, experiências acadêmicas e sua vida pessoal, e podem ser conferidos em Antologias e Coleções Poéticas da Câmara Brasileira de Jovens Escritores em: “Novos Talentos do Conto Brasileiro”, “Contos de Outono”, “Livro de Ouro do Conto Brasileiro”(2009) e “Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos Nº54”, todos publicados em 2009. Lucimar Simon é Graduado em História pela UFES. Pós Graduado em História e Literatura – Texto e Contexto pela UFES.
Obrigado por mais um texto postado neste espaço que tem tanta influencia e visibilidade na mídia dos blog's. abraço.
ResponderExcluirsou primo de sergio sampaio,nilton
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