terça-feira, 18 de junho de 2013

SÉRGIO SAMPAIO: O POETA DO BLOCO E SEU POBRE BLUES.


Desde o final dos anos 50 vinha o Brasil lutando para se libertar do complexo de “país de segunda classe”. Nossas culturas, populares e musicais resultantes de miscigenação das culturas europeia, africana e indígena estavam tomando seus primórdios caminhos ao reconhecimento nacional e internacional. O sucesso da Bossa Nova com aceitação internacional, e outras conquistas de afirmação nacional fizeram da década de 60 um período de grande exacerbação de nacionalismo. Além disso, também aumentou o grau de conscientização política dos problemas e carências do povo brasileiro acirrando as disputas ideológicas entre os vários segmentos da população. Após o desastre da administração do presidente Jânio Quadros e com a ascensão de João Goulart em 1961 aumentaram os conflitos sociais, resultando no golpe militar de 1964. (Ditadura Militar).

Historicamente, 1964 foi um ano profundamente marcante para o Brasil. O golpe militar de 31 de março anularia de vez o sonho modernizante que vinha do governo Juscelino Kubitschek e as possibilidades de reformas sociais que foram propostas na época por João Goulart. O país deixava de olhar o futuro e passava a acompanhar o ritmo soturno da ditadura que se prolongaria por muitos anos. No início, o general Castelo Branco deu surpreendentes concessões aos setores culturais, permitindo assim que as vanguardas pipocassem e formidáveis arrojos artísticos se realizassem. Em 1968 é o ano mais importante da década de 60 e um período divisor de águas para o século 20. Nesse período, a juventude do Ocidente passava a exigir mudanças, rupturas e atitudes arrojadas. Em maio de 1968, milhares de pessoas saem às ruas de Paris, em protestos que misturavam política e novos rumos do pensamento.

A cultura musical brasileira acompanhou todas essas mudanças com a afirmação da Bossa Nova e o surgimento das músicas de cunho social apresentadas principalmente nos “Festivais de Música Brasileira”, principalmente os da TV Excelsior e TV Record; assim surgiram  composições sociais de Sérgio Ricardo, Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, Torquato Neto, Heraldo do Monte, Hilton Acioli e muitos outros. “Apesar de combatida pelos críticos mais exigentes, a música popular, cantada ou instrumental, se firmou no gosto das novas camadas urbanas, seja nos extratos médios da população, seja nas classes trabalhadoras, que cresciam vertiginosamente com a nova expansão industrial na virada do século XIX para o século XX” (NAPOLITANO, 2005, p. 16).

Compositores não engajados nos movimentos sociais também passaram a compor músicas de fundo social em função da censura imposta pelos governos militares da época.  A grande divulgação de cantores americanos de rock através do cinema e  gravadoras ajudou também o nascimento do rock brasileiro com ampla divulgação da mídia nos anos 60; um dos principais incentivadores, o compositor e radialista Carlos Imperial fundou em 1958 o Clube do Rock, no Rio de Janeiro, onde se apresentavam e se reuniam os amantes do rock; nesse clube iniciaram suas carreiras Roberto Carlos e Erasmo Carlos. A parcela de público que preferia músicas oriundas do rock passou a ter seu espaço musical com programas específicos na televisão cujo ápice foi o programa “Jovem Guarda” iniciado em 1965 com Roberto, Erasmo e Vanderléia permanecendo no ar pela TV Record durante vários anos.

Sob influência da Jovem Guarda e dos Beatles nasceu em 1967 o Tropicalismo, movimento de vanguarda liderado por Caetano Veloso, Rogério Duprat, Gilberto Gil, Júlio Medaglia e outros; suas principais composições foram "Tropicália“ "Domingo no Parque” e “Alegria, Alegria” onde era incentivada a universalização da música brasileira inclusive com utilização de guitarras elétricas e absorção de vários gêneros musicais: pop-rock, música de vanguarda, frevo, samba, bolero, etc. Assim na década de 60 três novas grandes vertentes musicais podem ser identificadas: “Bossa Nova, Músicas sociais de festivais e Rock da jovem guarda”; evidentemente músicas com ritmos tradicionais como samba, samba canção, músicas de carnaval e músicas regionais continuaram a ter seu espaço, mas com menos divulgação e menor sucesso que as três citadas.

A música popular brasileira sempre reservou aos seus compositores marginais os capítulos mais interessantes de sua história. Donos de carreiras irregulares e, não raros, com existências trágicas, os “artistas malditos” sempre estiveram no acostamento do sucesso. Embora o folclore que os cerca sirva para torná-los figuras ímpares, quase míticas, a realidade para esses artistas não teve o mesmo lirismo que se costuma creditar a eles. Sérgio Sampaio foi um desses artistas. Marginalizado pelas gravadoras, pelo público e, talvez, até por ele mesmo, chegou a passar fome. Mas, se não conseguiu sucesso e reconhecimento imediatos, ao menos Sampaio agregou em torno de si, poucos, mas fervorosos seguidores que ainda hoje carregam seu nome.

Assumindo uma postura de “maldito” numa época em que nomes importantes da MPB estavam no exílio, trabalhando sob o impacto esmagador da extraordinária geração surgida nos festivais de canção da segunda metade dos anos 1970, Sérgio Sampaio estreou com um álbum que combinava samba, rock e marcha-rancho, entre outros gêneros, e que resumia com perfeição o clima de baixo-astral do momento. Embora a faixa-título tenha sido o único sucesso obtido pelo autor em toda sua carreira, “Eu quero é botar meu bloco na rua” contém um punhado de canções notáveis, como “Filme de terror”, “Pobre meu pai” e “Eu sou aquele que disse”. Elas retomam alguns dos principais temas do momento, o elogio da loucura, a sensação de marginalidade, a paranoia generalizada, o estranhamento entre as gerações. “Antes de sua morte prematura, Sérgio Sampaio ainda pôde lançar dois outros discos, deixando inacabado um quarto, lançado postumamente; mas sua obra-prima é sem dúvida seu trabalho de estreia, de importância fundamental para a compreensão do período da história da nossa música popular entre o fim da era dos festivais e a eclosão do rock - Brasil dos anos 1980” (BRITTO, 2009).

Houve um ápice na obra e na carreira do cantor e compositor Sérgio Sampaio (1947-1994), mas quase tudo acabou sufocado pelo sucesso estrondoso da marcha-rancho "Eu Quero é Botar meu Bloco na Rua", lançada em 1972. Avesso à superexposição e às exigências da indústria fonográfica, Sampaio meteu os dois pés na jaca e, às margens da fama do conterrâneo Roberto Carlos e do parceiro Raul Seixas, construiu uma carreira pouco sólida, embora muitíssimo rica e feita de canções que tratavam sem meias-palavras das angústias, dos amores, dos desafetos, dos desejos e das frustrações que o artista capixaba colecionou em 47 anos de vida. Uma delas, "Eu Sou Aquele que Disse", dá nome ao livro que celebra os 60 anos de nascimento deste botafoguense fanático que fez troça da própria loucura, desprezou tanto a ditadura militar quanto a luta armada que se propunha a derrubá-la, Sérgio Sampaio, elegeu o desbunde como solução política e existencial. “Sérgio experimentou uma grande identificação com o estilo de vida dos poetas românticos do século XVIII, que viviam intensamente a arte, o amor e as madrugadas a céu aberto, e morriam jovens quase sempre de tuberculose. Ele até mesmo acreditava que morreria jovem como eles. Mas tarde, seriamente interessado em literatura escreveria seus próprios contos, herméticos e kafkianos, de difícil interpretação. Fazia uns contos que ninguém entendia” (MOREIRA, 2003, p. 23).

Sérgio Moraes Sampaio (Cachoeiro de Itapemirim, 13 de abril de 1947 - Rio de Janeiro, 15 de maio de 1994) foi um cantor e compositor brasileiro e, no dizer do cantor Lenine, um nome marginalizado que equipara a Tim Maia e Raul Seixas, como um dos "malditos" da música popular brasileira. Suas composições variam por vários estilos musicais, indo dos folclóricos samba e choro, ao rock'n roll, blues e balada. Sobre a poética de suas composições, em que se vê elementos de Kafka e Augusto dos Anjos, que lia e apreciava. Declarou num estudo Jorge Luiz do Nascimento: “A paisagem urbana em geral, e a carioca em particular, na poética de Sérgio Sampaio, possui a fúria modernista. Porém, o espelho futurista já é um retrovisor, e o que o presente reflete é a impossibilidade de assimilação de todos os índices e ícones da paisagem urbana contemporânea” (NASCIMENTO, 2007).

Filho de Raul Gonçalves Sampaio, dono de uma tamancaria e maestro de banda, e de Maria de Lourdes Moraes, professora primária, era primo do compositor Raul Sampaio Cocco (autor de sucessos na voz do conterrâneo Roberto Carlos). Ali assistiu o pai compor a canção "Cala a boca, Zebedeu", quando tinha 16 anos e que veio a gravar mais tarde. Tocando violão, era um artista nato que buscava mostrar seus trabalhos. "Ele estava sempre sedento para mostrar suas músicas, precisava de uma orelha e nunca fez doce para tocar", como registrou seu primo João Moraes. (MACHADO, 2007).

Aficcionado pelos programas de rádio, onde acompanhava os cantores da época como Orlando Silva, Sílvio Caldas ou Nelson Gonçalves, que o inspiravam, veio a tornar-se imitador de radialistas como Luiz Jatobá e Saint-Clair Lopes, conseguindo trabalho numa emissora da cidade natal, a XYL-9. Em 1964 tentou trabalhar no Rio de Janeiro na Rádio Relógio, retornando após quatro meses. Em fins de 1967 muda-se definitivamente para o Rio, inicialmente para tentar a carreira como radialista, embora não tenha conseguido firmar-se em nenhum trabalho por frequentar a vida boêmia carioca, atraído pela música e a bebida; mora em pensões baratas e até na rua, chegando a mendigar comida. Sérgio tinha passado a cantar à noite, em bares, até que em fevereiro de 1970 demite-se da Rádio Continental para dedicar-se integralmente à música.

Nos primeiros anos na cidade carioca Sérgio Sampaio viveu intensamente as noites cariocas. Tão intensamente que não se firmou em emprego nenhum, por "nunca recusar um convite, a qualquer hora do dia ou da noite, para um programa envolvendo música e bebida". Sérgio Sampaio sempre pautou sua força criativa na palavra. Escrevendo em primeira pessoa, fazia de suas letras uma espécie de crônica musicada do seu mundo, visto a partir de um olhar lírico, melancólico, irônico, crítico, revoltado. Enfim, um olhar diferenciado, de um artista indócil que jamais se encaixou em rótulos e em modelos preestabelecidos. No fundo, a obra de Sérgio Sampaio gravita em torno do amor e de suas desventuras. Fazia-o ao seu modo, sem sentimentalismo, porém com intensidade, humor, originalidade. E o ritmo e/ou gênero musical funcionavam, para ele, como veículos para expressar seus sentimentos em forma de canção; daí a razão pela qual jamais se prendeu a um único estilo, passeando pelo choro, samba, marcha-rancho, rock, blues, etc.
Apesar de suas músicas primarem pela simplicidade harmônica e suas letras pela linguagem cotidiana, Sérgio nunca conseguiu popularizá-las. Essa culpa o perseguiu durante toda a vida: "Quem faz um Bloco na Rua só pode ser povão", dizia ele, um típico homem do povo que podia ser visto nos botecos, tomando em pé a sua pinga. O rótulo de "maldito" que as gravadoras e a mídia pregaram-lhe na testa acabou atravancando sua carreira, antes mesmo que ela pudesse realmente começar. Na verdade, é a partir do Festival Internacional da Canção de 1972 que Sérgio Sampaio vislumbra seu ingresso no clube fechado da MPB. Feita em dezembro de 71, a marcha-rancho Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua acabou sendo, segundo Rodrigo Moreira, "uma síntese artística e existencial de tudo o que o compositor viu e viveu; uma projeção de anseios tão pessoais quanto identificados com a coletividade naquele momento histórico". Vale lembrar que o Brasil atravessava seu pior momento político nas mãos do regime militar.

A canção é porta-voz do Brasil. Tão importante como a História, a Literatura, o Teatro, o Cinema e as Artes plásticas, infelizmente a música brasileira tem merecido poucos estudos e análises, embora a escassez de títulos venha sendo revertida ultimamente embora a maioria deles priorize a biografia de cantores e compositores. A música popular tem sido um dos campos de estudo de cientistas políticos, historiadores, sociólogos entre outros campos de atuação, que estão à frente de um dos mais importantes grupos de estudo sobre o tema, numa leitura que cruza referências estéticas, históricas e políticas. É com esse empenho que ela chega a uma verdadeira reformulação dos estudos para se concretizar a harmonização entre os diversos campos dos saberes.

O capixaba Sérgio Sampaio foi daqueles artistas não reconhecidos, ou melhor, não adequadamente avaliados em seu tempo. Em plena ditadura Médici, estourou nacionalmente com "Eu quero é botar meu bloco na rua", histórica marcha-rancho, um dos mais eloquentes protestos da MPB contra a ditadura. Ainda jovem e imaturo, com todas as atenções voltadas para si, respondeu com "Odete", "Viajei de trem" e "Meu pobre blues", demonstrando sua categoria e versatilidade como compositor, mas parecia estigmatizado por aquela música tão marcante. Com "Velho bandido" e o LP “Tem que acontecer” ganhou aplauso da crítica, sem, no entanto alcançar uma repercussão popular significativa. Incompatibilizado com a indústria musical, de meados dos anos 70 em diante resolveu trilhar um solitário caminho à margem do mercado, gravando apenas mais um LP, o independente "Sinceramente", de 1982, e fazendo shows em teatros underground e bares.

“MEU POBRE BLUES”

Sérgio Sampaio / Composição: Sérgio Sampaio

Meu amigo, / Um dia eu ouvi maravilhado / No radinho do meu vizinho / Seu "rockzinho" antigo / E foi como se alguma bomba / Houvesse explodido no ar / E todo o povo brasileiro / Nunca mais deixou de dançar / E desde aquele instante / Eu nunca mais parei de tentar / Mostrar meu blues pra você cantar. Foi inútil... / Eu juro que tentei compor / Uma canção de amor / Mas tudo pareceu tão fútil / E agora que esses detalhes / Já estão pequenos demais / E até o nosso calhambeque / Não te reconhece mais / Eu trouxe um novo blues / Com um cheiro de uns dez anos atrás / E penso ouvir você cantar. Mesmo que as mesmas portas / Estejam fechadas / Eu pretendo entrar / Mesmo que minha mulher / Depois de me escutar / Ainda insista / Que você não vai gostar. Mesmo que o gerente / O assistente ou o inteligente / Anda não me queira acreditar / Vou fingir que tudo isso não é nada / E que ainda algum dia, em plena praça / Eu posso te encontrar. Blues tão rico / Só que já não esconde / Que o meu pobre coração / Está ficando um tanto quanto aflito / Pois deve estar pintando o tempo / Em que você começa a gravar. No seu próximo disco / Eu queria tanto ouvi-lo cantar / Eu não preciso de sucesso / Eu só queria ouvi-lo cantar / Meu pobre blues... E nada mais... É tão simples...

REFERÊNCIAS

BRITTO, Paulo Henriques. Eu quero é botar meu bloco na rua. De Sérgio Sampaio / Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009, 96 p.

MACHADO, João de Moraes, Eu sou aquele que disse. João Moraes Machado (Org.). Vitória: PPGL / MEL, 2007, 103 p.

MOREIRA, Rodrigo, Eu quero é botar meu bloco na rua: a biografia de Sérgio Sampaio. 2 ed. Niterói. Muiraquitã, 2003.

NAPOLITANO, Marcos. História e Música: história cultural da música popular. 2. ed. rev. Pelo autor Belo Horizonte: Autentica, 2005, 117 p.

NASCIMENTO, Jorge Luiz do. Lugares suspeitos, terras de ninguém: alguns territórios de Sérgio Sampaio. In: MACHADO, João de Moraes, Eu sou aquele que disse. João Moraes Machado (Org.). Vitória: PPGL / MEL, 2007. p. 31-49.

(Texto de Lucimar Simon)



Lucimar Simon nasceu em Linhares – ES em 1977. Suas influências são diversas perpassando por autores de Clássicos da Literatura Brasileira e Estrangeira. Busca ler e acompanhar a Literatura Contemporânea bem como os ditos “poetas marginais”. Seus textos compõem uma escrita simples dedicada a fatos cotidianos, memórias, experiências acadêmicas e sua vida pessoal, e podem ser conferidos em Antologias e Coleções Poéticas da Câmara Brasileira de Jovens Escritores em: “Novos Talentos do Conto Brasileiro”, “Contos de Outono”, “Livro de Ouro do Conto Brasileiro”(2009) e “Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos Nº54”, todos publicados em 2009. Lucimar Simon é Graduado em História pela UFES. Pós Graduado em História e Literatura – Texto e Contexto pela UFES.

2 comentários:

  1. Obrigado por mais um texto postado neste espaço que tem tanta influencia e visibilidade na mídia dos blog's. abraço.

    ResponderExcluir
  2. sou primo de sergio sampaio,nilton

    ResponderExcluir