Carlos
Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze
anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em
2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que
aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como
o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser
encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no
Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com).
Confira, abaixo, a crônica “Alimento da
alma”:
ALIMENTO DA ALMA
Alimento a minha alma
enquanto cago. Esta alma neurastênica. Fraca. Desnutrida. Só osso e tripa, com
seus ossinhos proeminentes, arrastando chinelos. Esta alma que está pra lá de
Sancho Pança, se ao menos tivesse pança!
Leio, folheio e peido. Abro
intermináveis portas ao meu engrandecimento, só não sei qual. De vez em quando
penso que poderiam botar um saco de farinha, quiçá de feijão, mas não! Quando
abri a cesta de básicos, gritei:
“Nossa, tem rapadura,
mulher!”
A mulher acabrunhada pegou
os viveres, analisando-os detetivescamente, a examinar as minúcias do objeto
que supúnhamos ser um mantimento. Franziu o cenho. Gaguejou. Uivou
dolorosamente como um faminto. Soletrou ranzinza, palavras trôpegas,
incompreensiva. Até que me olhou com aquele jeito meigoso e lancinante, aquele
mesmo olhar de matar cachorro a espirro, e sussurrou a frase como se fosse um
ganido.
“O que é isso? Rapadura de
papel?”
Era livro. Não era
comestível, na caixa dizia: “um alimento para alma: ler faz bem!”. Se faz bem,
o que posso fazer? Ler? Nem sabia que alma comia, ainda mais dessa forma, tão
subjetivo...
Assim vou abrindo mundos
com a minha sombra, desde o dia em que passei a ler. Sou um leitão, no lado
positivo da palavra, novo e rosado como que parido nas últimas instâncias, no
posfácio da vida.
Escrivinho flato,
sujismundo. Mais fedegoso do que cheiroso, vou peidando a cada página. Cada ida
ao banheiro é um mundo novo. São mares agora não navegados, e sim mergulhados,
submergidos. Molhando-me o traseiro a cada queda, meu pequeno oceano particular
é o vaso sanitário.
Algumas leituras devem ser
boas pra alma (se é que isto existe), mas pro toba, não sei não! Ele fica
intransigente, segura tudo e não deixa passar. É... Sempre soube, o meu cu é um
intelectual (olha os modos, menino, se fala ânus, que falta de educação!).
Gostas de labirintos e manda às favas, ou melhor, à merda o viajante de
Santiago de Compostela.
Tenho amor ao sôfrego, à
súplica. O viajante e o seu diário foram à merda. Fui cagar, mas cadê o papel?
Olho os cantos, não poderei ficar assim, todo lambrecado. É, livro, não tens
como alimentar a minha alma, pelo menos serve pra limpar o meu rabo! És duro,
mas dá pra limpar um bocado. É... o livreco ficou todo chamuscado.
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