quinta-feira, 13 de junho de 2013

GRANDE SERTÃO: AS FACES AMOROSAS DE RIOBALDO.


O romance “Grande Sertão: Veredas” é considerado uma das mais significativas obras da literatura brasileira. A obra ganhou destaque pela ausência de capítulos, elementos lingüísticos, a temática regionalista e o narrador em primeira pessoa. Há muitos estudos e formas de ver a obra rosiana. Aqui, entretanto, o foco de nossa analise será as três faces amorosas de Riobaldo: Diadorim (amor proibido), Nhorinhá (amor carnal) e Otacília (amor perfeito).

Comecemos com Diadorim, amor impossível e irrealizado. Diadorim é ser ambíguo, andrógeno. Ao passo que o pai, Joca Ramino, revela: “Carece de ser diferente, muito diferente”. O pai descarta-lhe o papel de mulher e ela era realmente de diferente. Mesmo travestida de homem, Diadorim tem corpo, cheiro, maneiras femininas, que encantam, perturbam e despertam os sentidos, nessas características já se percebe “o mal”. Macho em roupas e suas armas, segue pelo sertão com o bando de Joça Ramiro. Usa o nome de Reinaldo. Diadorim, dúbia, despertará em Riobaldo: amor/ ódio; o bem/ o mal; o claro/ o escuro. Assim, ela apresenta as belezas da natureza, mas o conduz rumo à crueza, à maldade e aspereza do sertão. Como afirma Cristiane da Silva Alves: “Riobaldo é um Adão a descobrisse nu pela primeira vez. Finalmente tem consciência de si e do mundo a sua volta e, uma vez experimentado o ‘fruto do conhecimento’, virá conhecer também o sofrimento, a angústia, a adversidade e o perigo. Diadorim não somente conduz Riobaldo ao conhecimento, como também a descoberta dos impulsos sensuais. Riobaldo custa a entender uma paixão por um jagunço de “roupas e armas”, ele acreditava ser feitiço.

Riobaldo sai de si ao entrar em contato com os olhos veres de Diadorim, que mudavam como um rio. “Verde”, aqui, pode ter uma dupla interpretação, já que verde é a cor da esperança, de estar no caminho. Entretanto, na crença popular, o diabo aparece como “o verde”. O próprio narrador se indaga: “o amor assim pode vir do demo? Poderá!? Pode vir de um–que-não-existe?”. Interessante notar, ainda nessa parte diabólica, é que “Dia” é diminutivo tanto de Diadorim e diabo. Hermógenes (encarnação do diabo) morre junto com Diadorim e somente ela poderia matá-lo. Hermógenes, o Judas, incitou o ódio em Diadorim, mas ela que trouxe Riobaldo para a guerra e acerto com o diabo. Diadorim tinha pacto com o maligno, além da missão de continuar a obra do pai, Joça Ramiro. Diadorim era uma ponte entre o Riobaldo e o diabo. Riobaldo (rio + “baldo” significa um rio inútil, falho) tinha pacto com o demo desde a juventude e só irá se salvar pela morte de Diadorim. Diadorim morre para livrar o sertão e a si mesmo. Desse modo, Riobaldo percebe que o feitiço era diá ela morre e depois se benze. Ironicamente, o sacrifício dela redime Riobaldo. Ela morre virgem e liberta-se pela “travessia”. Diadorim, Eva tentadora, diabólica, sanguinária, torna-se, ao final, uma espécie “cordeiro de Deus”, cujo o sangue é derramado não somente para vingar o pai morto, mas principalmente para libertar do mal o sertão e, em última instância libertar Riobaldo daquele feitiço que o mantinha inebriado. Ademais, Diadorim é responsável não só pela promoção social de Riobaldo, mas também por torná-lo um ser humano melhor. Através dela que ele deixará a sua triste e vergonhosa posição de menino bastardo e ingênuo, para transitar no mundo dos Jagunços- Guerreiros, aprendendo valores, como lealdade, bravura e honra, destacando-se como chefe e experimentando o poder as glórias de líder. Riobaldo, purificado, ruma para os braços de Otacília, na qual encontra a paz e o equilíbrio.

Ao contrário de Diadorim que reprime seu lado feminino, Nhorinhá exalta. Aquela era “ódio”, enquanto esta é o amor simples, carnal. Em “Nhorinhá, “o amor é tão somente um produto a ser consumido”, como alerta Bauman, Nho é tratada como objeto por todos. Representa o “amor líquido”. Enquanto o verde representava Diadorim, o vermelho (luxúria) representa Nhorinhá. Riobaldo: “Ao que, num portal, vi uma mulher moça, vestida de vermelho, se via”. Porém, antes do apelo erótico, essa relação tem, para Riobaldo, o retorno a ternuna feminina, já que sempre foi conduzido por mulheres. O jagunço não tinha pai. Mãe Bigri o criou. Riobaldo simpatizava com os bons tratos das esposas, a arrumação feminina. Em Nhorinhá, Rio procura uma ascensão espiritual e não uma mera relação física. A relação sexual entre o jagunço e a “militriz” ultrapassa o limite do gozo físico, da comunhão carnla, para converter-se em uma união quase sagrada, comparada pelo próprio Riobaldo ao rito de casamento.

O encontro com Nho, antes mesmo do apelo erótico, tem a marca do acolhimento e aconchego, remetendo ao abrigo feminino que Riobaldo fora perdendo ao longo da sua trajetória e cuja a falta lhe é sentida enquanto o sertão, viril, povoado de machos bárbaros e distanciado da energia feminina. Nho é bem-estar físico e harmonia espiritual, ela assume um caráter elevado quase igual ao de Otacília. A admiração e o respeito não deixam margem para o escárnio ou o preconceito. Riobaldo presa o acolhimento feminino, a ternura e a generosidade das mulheres, sejam elas, mães, esposas ou rameiras. Dessa maneira, Nho restarou-lhe o corpo e a alma abvecidos pelo amor irrealizável por Diadorim, que achava Nho vulgar. O primeiro encontro foi um rito simbólico. A poeira os juntou. A poeira da criação da Terra. Nho é o amor concreto, materializado, que fica no meio. “Nhorinhá, gosto bem ficado em meus olhos e minha boca”. Como Otacília, ela também busca proteção espiritual para Riobaldo, que é mais do que um trivial momento. Embora represente o amor consumado, o amor da carne, o amor por Nhorinhá vai sendo construído ao longo da obra, também como amor terno, quase ingênuo, em que podemos perceber pelo cuidado, pela delicadeza com que Riobaldo lembra da personagem, com carinho, respeito incomum que os outros jagunços não prestam as moças de sua categoria.

Por fim, temos Otacília, que é pura, sensível e delicada. A cor que lhe representa é o branco (pureza e paz). Otacília, a firme presença, abre para Riobaldo a possibilidade de se fixar, de morar residido, de levar uma vida sensata, estável, de bases sólidas; ela, a moça da abençoada família, é o porto seguro no qual o jagunço pode, finalmente, ancorar o seu destino. Trocar a guerra (Diadorim) pela paz (Otacília) ante a indefinição de Dia e a paz da fazenda.  Otacília tem sentimentos límpidos, sem enigmas. Ela faz Riobaldo deixar de ser jagunço para se tornar um amoroso e religioso homem de família.

Ao descrevê-la, Rosa aponta só para o belo, delicado, perfeito. Rosa abusa dos tons suaves, apontado somente para o belo, delicado perfeito, praticamente um paraíso. Com Diadorim, Riobaldo experimenta o “fruto do conhecimento” e a “exclusão do paraíso”. Diadorim prevê q Riobaldo se casará com Otacília.
Paz: “O verdadeiro amor consiste precisamente na transformação do apetite de posse em entrega. Por isso pede reciprocidade e assim transforma radicalmente a velha relação entre domínio e servidão”.

Riobaldo terá as posses e prestígio da família. Ascensão social, cultural e espiritual. Nasce o “Seo Riobaldo”. Riobaldo vai lentamente desenvolvendo uma vontade de conversão de sua vida terrena, de trocar a guerra pela paz, de deixar as atribulações da luta e voltar-se para uma vida caseira, doméstica, de propriedade e trabalho no campo.

Desde o primeiro encontro, Riobaldo sabia que era “amor destinado, demarcado. Cabelos grandes e soltos. Estava na janela, símbolo de receptividade. Riobaldo, o jagunço-fidalgo, após sua cruzada, no final é um verdadeiro cavaleiro. “Otacília. O prêmio feito esse eu merecia?”. Pelo jeito, mereceu.

Desse modo, Otacília é o amor espiritual a quem Riobaldo consagra a sua vida. A moça, etérea e bucólica, é praticamente a promessa de redenção e ascensão para Riobaldo, garantindo-lhe, através do casamento, não somente o sossego, como também o status de fazendeiro, Don ode terras. Mulher ideal, pura e casta, modelo de Maria, apta ao papel de mãe e esposa dedicada.

(Ricardo Salvalaio)



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