O romance “Grande Sertão: Veredas” é considerado
uma das mais significativas obras da literatura brasileira. A obra ganhou
destaque pela ausência de capítulos, elementos lingüísticos, a temática
regionalista e o narrador em primeira pessoa. Há muitos estudos e formas de ver
a obra rosiana. Aqui, entretanto, o foco de nossa analise será as três faces
amorosas de Riobaldo: Diadorim (amor proibido), Nhorinhá (amor carnal) e
Otacília (amor perfeito).
Comecemos com Diadorim, amor impossível e
irrealizado. Diadorim é ser ambíguo, andrógeno. Ao passo que o pai, Joca
Ramino, revela: “Carece de ser diferente, muito diferente”. O pai descarta-lhe
o papel de mulher e ela era realmente de diferente. Mesmo travestida de homem,
Diadorim tem corpo, cheiro, maneiras femininas, que encantam, perturbam e
despertam os sentidos, nessas características já se percebe “o mal”. Macho em
roupas e suas armas, segue pelo sertão com o bando de Joça Ramiro. Usa o nome
de Reinaldo. Diadorim, dúbia, despertará em Riobaldo: amor/ ódio; o bem/ o mal;
o claro/ o escuro. Assim, ela apresenta as belezas da natureza, mas o conduz
rumo à crueza, à maldade e aspereza do sertão. Como afirma Cristiane da Silva
Alves: “Riobaldo é um Adão a descobrisse nu pela primeira vez. Finalmente tem
consciência de si e do mundo a sua volta e, uma vez experimentado o ‘fruto do
conhecimento’, virá conhecer também o sofrimento, a angústia, a adversidade e o
perigo. Diadorim não somente conduz Riobaldo ao conhecimento, como também a
descoberta dos impulsos sensuais. Riobaldo custa a entender uma paixão por um
jagunço de “roupas e armas”, ele acreditava ser feitiço.
Riobaldo sai de si ao entrar em contato com os
olhos veres de Diadorim, que mudavam como um rio. “Verde”, aqui, pode ter uma
dupla interpretação, já que verde é a cor da esperança, de estar no caminho.
Entretanto, na crença popular, o diabo aparece como “o verde”. O próprio
narrador se indaga: “o amor assim pode vir do demo? Poderá!? Pode vir de um–que-não-existe?”.
Interessante notar, ainda nessa parte diabólica, é que “Dia” é diminutivo tanto
de Diadorim e diabo. Hermógenes (encarnação do diabo) morre junto com Diadorim
e somente ela poderia matá-lo. Hermógenes, o Judas, incitou o ódio em Diadorim,
mas ela que trouxe Riobaldo para a guerra e acerto com o diabo. Diadorim tinha
pacto com o maligno, além da missão de continuar a obra do pai, Joça Ramiro.
Diadorim era uma ponte entre o Riobaldo e o diabo. Riobaldo (rio + “baldo”
significa um rio inútil, falho) tinha pacto com o demo desde a juventude e só
irá se salvar pela morte de Diadorim. Diadorim morre para livrar o sertão e a
si mesmo. Desse modo, Riobaldo percebe que o feitiço era diá ela morre e depois
se benze. Ironicamente, o sacrifício dela redime Riobaldo. Ela morre virgem e
liberta-se pela “travessia”. Diadorim, Eva tentadora, diabólica, sanguinária,
torna-se, ao final, uma espécie “cordeiro de Deus”, cujo o sangue é derramado
não somente para vingar o pai morto, mas principalmente para libertar do mal o
sertão e, em última instância libertar Riobaldo daquele feitiço que o mantinha
inebriado. Ademais, Diadorim é responsável não só pela promoção social de
Riobaldo, mas também por torná-lo um ser humano melhor. Através dela que ele
deixará a sua triste e vergonhosa posição de menino bastardo e ingênuo, para
transitar no mundo dos Jagunços- Guerreiros, aprendendo valores, como lealdade,
bravura e honra, destacando-se como chefe e experimentando o poder as glórias
de líder. Riobaldo, purificado, ruma para os braços de Otacília, na qual
encontra a paz e o equilíbrio.
Ao contrário de Diadorim que reprime seu lado
feminino, Nhorinhá exalta. Aquela era “ódio”, enquanto esta é o amor simples,
carnal. Em “Nhorinhá, “o amor é tão somente um produto a ser consumido”, como
alerta Bauman, Nho é tratada como objeto por todos. Representa o “amor
líquido”. Enquanto o verde representava Diadorim, o vermelho (luxúria)
representa Nhorinhá. Riobaldo: “Ao que, num portal, vi uma mulher moça, vestida
de vermelho, se via”. Porém, antes do apelo erótico, essa relação tem, para
Riobaldo, o retorno a ternuna feminina, já que sempre foi conduzido por
mulheres. O jagunço não tinha pai. Mãe Bigri o criou. Riobaldo simpatizava com
os bons tratos das esposas, a arrumação feminina. Em Nhorinhá, Rio procura uma
ascensão espiritual e não uma mera relação física. A relação sexual entre o
jagunço e a “militriz” ultrapassa o limite do gozo físico, da comunhão carnla,
para converter-se em uma união quase sagrada, comparada pelo próprio Riobaldo
ao rito de casamento.
O encontro com Nho, antes mesmo do apelo erótico,
tem a marca do acolhimento e aconchego, remetendo ao abrigo feminino que
Riobaldo fora perdendo ao longo da sua trajetória e cuja a falta lhe é sentida
enquanto o sertão, viril, povoado de machos bárbaros e distanciado da energia
feminina. Nho é bem-estar físico e harmonia espiritual, ela assume um caráter
elevado quase igual ao de Otacília. A admiração e o respeito não deixam margem
para o escárnio ou o preconceito. Riobaldo presa o acolhimento feminino, a
ternura e a generosidade das mulheres, sejam elas, mães, esposas ou rameiras.
Dessa maneira, Nho restarou-lhe o corpo e a alma abvecidos pelo amor
irrealizável por Diadorim, que achava Nho vulgar. O primeiro encontro foi um
rito simbólico. A poeira os juntou. A poeira da criação da Terra. Nho é o amor
concreto, materializado, que fica no meio. “Nhorinhá, gosto bem ficado em meus
olhos e minha boca”. Como Otacília, ela também busca proteção espiritual para
Riobaldo, que é mais do que um trivial momento. Embora represente o amor
consumado, o amor da carne, o amor por Nhorinhá vai sendo construído ao longo
da obra, também como amor terno, quase ingênuo, em que podemos perceber pelo
cuidado, pela delicadeza com que Riobaldo lembra da personagem, com carinho,
respeito incomum que os outros jagunços não prestam as moças de sua categoria.
Por fim, temos Otacília, que é pura, sensível e
delicada. A cor que lhe representa é o branco (pureza e paz). Otacília, a firme
presença, abre para Riobaldo a possibilidade de se fixar, de morar residido, de
levar uma vida sensata, estável, de bases sólidas; ela, a moça da abençoada
família, é o porto seguro no qual o jagunço pode, finalmente, ancorar o seu
destino. Trocar a guerra (Diadorim) pela paz (Otacília) ante a indefinição de
Dia e a paz da fazenda. Otacília tem
sentimentos límpidos, sem enigmas. Ela faz Riobaldo deixar de ser jagunço para
se tornar um amoroso e religioso homem de família.
Ao descrevê-la, Rosa aponta só para o belo,
delicado, perfeito. Rosa abusa dos tons suaves, apontado somente para o belo,
delicado perfeito, praticamente um paraíso. Com Diadorim, Riobaldo experimenta
o “fruto do conhecimento” e a “exclusão do paraíso”. Diadorim prevê q Riobaldo
se casará com Otacília.
Paz: “O verdadeiro amor consiste precisamente na
transformação do apetite de posse em entrega. Por isso pede reciprocidade e
assim transforma radicalmente a velha relação entre domínio e servidão”.
Riobaldo terá as posses e prestígio da família.
Ascensão social, cultural e espiritual. Nasce o “Seo Riobaldo”. Riobaldo vai
lentamente desenvolvendo uma vontade de conversão de sua vida terrena, de
trocar a guerra pela paz, de deixar as atribulações da luta e voltar-se para
uma vida caseira, doméstica, de propriedade e trabalho no campo.
Desde o primeiro encontro, Riobaldo sabia que era
“amor destinado, demarcado. Cabelos grandes e soltos. Estava na janela, símbolo
de receptividade. Riobaldo, o jagunço-fidalgo, após sua cruzada, no final é um
verdadeiro cavaleiro. “Otacília. O prêmio feito esse eu merecia?”. Pelo jeito,
mereceu.
Desse modo, Otacília é o amor espiritual a quem
Riobaldo consagra a sua vida. A moça, etérea e bucólica, é praticamente a
promessa de redenção e ascensão para Riobaldo, garantindo-lhe, através do
casamento, não somente o sossego, como também o status de fazendeiro, Don ode
terras. Mulher ideal, pura e casta, modelo de Maria, apta ao papel de mãe e
esposa dedicada.
(Ricardo
Salvalaio)
Nenhum comentário:
Postar um comentário