sábado, 15 de junho de 2013

CRÍTICA DO LIVRO “A MORTE DO INIMIGO”, DE HANS KEILSON


“Contarei tudo, e nada hei de omitir no que se refere ao meu inimigo e a mim. Quando penso na sua morte, recordo a minha vida. Compreendo mais profundamente seu destino desde que ele se tornou o meu, maior do que cheguei a pensar”. O trecho acima pertence ao livro “A morte do inimigo”, de Hans Keilson e sintetiza a obra, já que nesta, o olhar é direcionado ao outro, ao inimigo nazista. Nascido em 1909, na Alemanha, o romancista, poeta e psiquiatra judeu publicou seu primeiro romance em 1933 e suas obras têm a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto como temáticas principais. Durante a Guerra, ele se juntou à resistência holandesa. Mais tarde, como psicoterapeuta, foi pioneiro no tratamento de traumas de guerra em crianças. Em 2010, Francine Prose, do New York Times, classificou Keilson como "gênio" e "um dos muito maiores escritores do mundo”. O escritor também publicou “Comédia em tom menor” e faleceu em 2011. Ademais, em “A morte do inimigo”, lançado recentemente pela Companhia das Letras, com tradução de Luiz Antônio de Araújo, o oprimido se põe no lugar do opressor.

Alteridade

Um dos grandes méritos das obras de Keilson é versar sobre o antissemitismo sem ser romântico ou bruto. Na Alemanha de 1930, um jovem judeu tem fascínio por um “inimigo” que aos poucos sobe ao poder: B., líder populista cuja proposta política gera um clima cada vez mais ameaçador, opressivo e profundamente antissemita. Diante da crítica situação, o protagonista decide assumir uma neutralidade moral, defendendo que, até num duelo de vida ou morte, é preciso levar em conta os motivos do inimigo. Aqui, o jovem mostra ter alteridade, pois seu olhar também é direcionado ao outro, que reprime, violenta limita a vida dos judeus.  Assim, distancia-se cada vez mais de seu povo, enquanto se vê progressivamente absorvido pela figura carismática de um ditador.

Quando o pequeno judeu encontra uma jovem por quem se sente atraído, eles lancham juntos, mesmo a menina sendo a favor do violento regime político: “Decidi aguentar até o fim, a qualquer preço,  mesmo que fosse o da autonegação, a qual, confesso, não me era tão difícil assim. Vi a garota recostada no divã junto à parede, a cabeça pousada na almofada, ela notou que eu a olhava e me dirigiu um olhar firme e amável.  Se ela soubesse, pensei, será que retribuiria com tanta doçura meu olhar?”. Contudo, o pessimismo também permeia a vida dos desvalidos, em que pensamentos sobre a morte são constantes: “Há dias e semanas que só penso na morte. Embora goste de dormir até tarde, acordo cedo toda manhã, depois de uma noite sem sonhos. Sinto em mim uma força e uma disposição que fazia tempo não sentia. Saúdo o dia que novamente me traz a ideia da morte”. A questão da identidade cultural também é suscitada pela obra, em um dado momento do romance, o jovem revela: “Retinha-me a curiosidade e a vontade de ludibriá-los, de afastar suas suspeitas assumindo outra aparência mediante uma atitude corajosa e decidida. Devo admitir que teria demonstrado mais caráter se houvesse ido embora (…) Enfim, o jogo me atraía, o mesmo que me atraíra na câmara escura e no episódio dos selos, curiosidade e também um pouco de malandragem, a vontade de me colocar do outro lado para me sentir eu mesmo, o prazer de venerar um deus e, simultaneamente, traí-lo com o bezerro de ouro”.

Sem clichês

Hans Keilson faz de suas experiências pessoais referências para sua literatura: “A natureza humana vive do restrito. O espírito humano colhe suas experiências no espaço que suas mãos alcançam ativamente”. Lançado em 1959, “A morte do inimigo” ficou cinqüenta anos esquecido, até ser louvado como obra-prima, com reedições na Europa e várias traduções ao redor do mundo. A obra só pôde ser concluída após a Segunda Guerra Mundial, haja vista que Hans combatia a ocupação nazista na Holanda. Sem sensacionalismo e com lirismo, Keilson conseguiu dar leveza a temas pesados. Assim, o romance tem muitos pontos positivos dignos de nota, a saber: a prosa simples e objetiva, a narração que mescla o tempo das ações (com habilidade, sem confundir o leitor), sua delicadeza e sua peculiaridade. Sem nomear a realidade, lançando mão de clichês, no romance, em nenhum momento aparecem palavras como “Hitler”, “judeu”, “nazista” e “Alemanha”. Isto prova da habilidade narrativa do autor de “Comédia em tom menor”. Por fim, “A morte do inimigo”, com seu olhar para o inimigo, é uma romance universal. Seu enredo é capaz de abarcar qualquer um que sofra preconceito em regimes totalitários.

Fontes: Ricardo Salvalaio, Cia das Letras, Kelvin Falcão Klein, Jornal da Cidade




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