Eu não sou nenhum analista político. Também não sou filiado a partido algum. Tampouco tenho pretensões políticas. Sou apenas mais um dos quase duzentos milhões de cidadãos brasileiros tentando fazer valer o seu direito de se expressar, de lutar por um Brasil mais justo e igualitário.
Foi por isso que fiz questão de participar da manifestação do dia 20 de junho. E, lembrando-me de quando, adolescente, fui às ruas exigir a renúncia de Collor, coloquei uma camisa preta, simbolizando meu luto; pintei o rosto de verde-amarelo; e usei como cartaz um exemplar da nossa tão aviltada Constituição de 1988. E, assim, fui para a rua.
De início, o que vi foi lindo. Famílias inteiras, até com crianças de colo; gestantes; idosos e, claro, muitos estudantes, o que me orgulhou em ver essa garotada politizada, mostrando seu descontentamento, gente que, daqui a dez, vinte anos, estará aí, nos postos de trabalho, nos cargos de mando, formando opinião. Saímos da Universidade Federal do Espírito Santo e tomamos a Avenida Nossa Senhora da Penha, uma das maiores artérias da capital capixaba, incitando, pacificamente, às pessoas do entorno a participarem, com gritos de "vem pra rua". Muitos estenderam bandeiras brancas, às vezes, improvisadas. E todos bradavam "eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor", o que me fez questionar se, pela primeira vez, conseguimos tomar uma consciência de nação.
Pena que o final maculou a beleza do movimento. A massa, tomando a frente da Assembleia Legislativa, foi chacoalhada por uma trupe de arruaceiros, certamente os mesmos que promoveram atos de vandalismo na frente do Tribunal de Justiça, onde terminaria a manifestação. Esses mesmos que depredaram o pedágio da Terceira Ponte, importante ligação entre os municípios de Vitória e Vila Velha, e saquearam lojas. Uma lástima, mas a qualidade da manifestação está diretamente ligada à qualidade dos manifestantes. Enquanto a turma politizada gritava "sem violência", os excluídos do sistema se aproveitavam para "protestar" da única forma que sabem, mostrando ao Estado o fruto de quinhentos anos de exclusão econômico-social de certas camadas da população.
Fui, ao longo do trajeto, fazendo uma analogia para com a Revolução Francesa. Só que, ao invés de Marselhesa, cantamos o Hino Nacional Brasileiro. Ao invés da bandeira tricolor (azul, branca e vermelha), pintamo-nos de verde-amarelo. A comparação não deixa de ter certa razão de ser. Os "mandatários da nação" parecem se arvorar de um poder absoluto, excludente. Até direito à "bolsa copa" eles têm! Qualquer pessoa, por menos instruída que seja, tem a consciência de que um parlamentar custa caro e de que o sistema político, como está, é inoperante. E o arrocho volta a se fazer perceber. Como nos Primeiro e Segundo Estados franceses, que massacravam com pesados tributos o populacho, os descamisados. L'État c'est moi.
É claro que essa "revolução" - se é que posso chamá-la assim - não precisa de guilhotina. Nem de atos de vandalismo. Mas me espanta saber como certos setores midiáticos têm dado relevo ao quebra-quebra, como se isso fosse a única coisa que acontecesse durante as manifestações. A coisa toda tem uma lógica e, é claro, ela está no consumo. A Copa das Confederações acabou se tornando uma verdadeira "Copa das Manifestações". E elas estão "queimando o filme" da dobradinha Dilma-Blatter. É preciso esvaziar o mais rápido o movimento, pois mostrar manifestantes não atende aos interesses dos patrocinadores. Cidadania não vende carro, não vende roupa, não está atrelada a nenhuma marca.
Vi cartazes pedindo saúde, educação, segurança e coisas incríveis, como casais heterossexuais protestando contra a "cura gay", numa mostra de que, a despeito das críticas, as pautas podem ser muitas, mas elas se imbricam, provando que, no fundo, todo mundo quer uma coisa só: um novo Brasil. Acho que o cartaz que melhor resume tudo isso foi "Saímos do Facebook". De fato, isso é um retrato da nossa contemporaneidade, disforme, individual, mas, ao mesmo tempo, homogênea e plural. Afinal, também existe identidade na diversidade. Vi também gente se comportando como numa micareta, mas, fazer o quê? Nem todo mundo tem o mesmo grau de consciência política. Ao menos, como diria um outro cartaz, "O gigante acordou" e pôs por terra o mito da docilidade do povo brasileiro. Terminadas as manifestações, cheguei em casa cansado, mas com a alma lavada e a certeza de que, mesmo sendo mais um na multidão, contribuí para que esse gigante se mantenha de olhos bem abertos.
(Anaximandro Amorim)
Anaximandro Amorim (1978) é escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES
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