Juca Magalhães é músico, escritor e ex-integrante do grupo “Pó
de Anjo”. É um dos mais
requisitados mestre de cerimônias do Estado, com atuação em eventos públicos e
privados. Autor do blog a “Letra Elektrônica” e textos publicados no Caderno
Pensar, do Jornal A Gazeta. É autor dos livros “O Livro do Pó” e “Da Capo - De
Volta às Origens da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo”. Magalhães também
trabalha na divulgação e desenvolvimento de projetos voltados para educação e
performance de música, sobretudo canto coral, clássica e popular. Confira,
abaixo, a crônica “De repente trinta”:
DE REPENTE TRINTA
O terceiro filme do Homem de Ferro é
um bom entretenimento, como os outros foram, mas parece que dessa vez ficou
faltando alguma coisa. Desde a investida inicial a grande qualidade desse que é
o mais divertido da franquia Marvel foi ter conseguido equilibrar ação com
humor e fazer a escolha de atores na medida certa. A “Pepper” de Gwyneth
Poltrow deu novo gás a sua carreira e é um bom exemplo de que ao fazer menos a
moça apareceu mais.
Mas nem quero ficar falando muito do “Homem
de Ferro III” não, quero usar o vilão pra chegar num causo lá do passado,
porque o grande lance desse filme é disparado a atuação, de novo, do genial Ben
Kingsley. Não posso explicar porque o Mandarim é o melhor do filme pra mó de
não estragar a diversão alheia, mesmo porque todo mundo sabe que em filme de
ação quem rouba a cena é o vilão.
Kingsley debutou para o mundo com sua
interpretação fabulosa de Gandhi. O filme foi lançado em 1983 e eu estava lá na
pré-estreia (ou estreia, sei lá) que aconteceu no (eternamente em reforma)
Teatro Glória que na época funcionava como cinema. Vi vários filmes legais lá,
inclusive, numa dessas dei meu primeiro beijo, com uma colega de escola
chamada... Cristina? Cristiane? Enfim, não lembro, mas acho que o filme era
“Hair”. Depois tem gente que diz que eu tenho memória boa.
Gandhi foi a produção que bombou
naquele ano, portanto, os mil lugares do Glória estavam ocupados. Fui assistir
ao filme junto com minha querida e saudosa amiga Ingrid Vervloet, precocemente
falecida ainda lá nos anos oitenta. Aquela era uma época em que a gente lia
crítica de cinema no jornal, porque tinha o Amylton de Almeida - noves fora seu
peculiar costume de elogiar os filmes do Van Dame – o saudoso autor de
documentários premiados como “Os Pomeranos” e “Lugar de Toda a Pobreza” era um
gênio, e como todos, ir atrás de seus conselhos era um perigo.
Como lembro agora com saudade daquela
entrada do Glória! A bomboniere do foyer que parecia um guichê de estação de
trem, cheia de bombons serenata e pastilha forte, a grossa cortina vermelha que
dava para a sala de exibição, o piso de madeira, o cheiro do cinema! Quando
conseguimos entrar a plateia estava já lotada, daí fomos nos aboletar no
balcão, uma espécie de camarote lá em cima, de onde cuspiram na minha cabeça,
salvo engano, no mesmo dia em que rolou aquele primeiro beijo.
Não me pergunte quem era o mestre de
cerimônias daquela peculiar “Opening
night” do Gandhi no Cine
Glória, mas o cara convidou Amylton, como cineasta e entendido da coisa, para
trazer um breve speach aos presentes. Eu-sei-lá quem teve a
brilhante ideia de colocar discursos antes da plateia encarar um filme de três
horas de duração. Obviamente, o jornalista foi recebido por um sonoro e gélido
silêncio, se rolasse aplauso perigava um monte de gente resolver falar. Aquele
suspense soou como um aviso, sinal amarelo, mas teve quem ousasse avançar.
A cena foi a seguinte: Amylton
caminhou para o palco com um blazer colocado sobre os ombros, o que era uma
espécie de moda entre os descolados da época, se é que vocês vão me entendendo.
Duas pessoas então ousaram romper o constrangedor silêncio: um rapaz que
aplaudiu - animado e solitário que nem ele só - e um garoto sem noção que se
estrebuchou de rir da cena...
Esse garoto, como diria o Baleia, era
eu!
Minha gargalhada ribombou, Ingrid me estapeou, Amylton falou
e a vida seguiu. Quer dizer, o filme finalmente começou e se revelou
interminável. Imagine só, depois de tanto entrevero, acabei dormindo e acordei
com o tremendo barulho do motor à hélice de um hidroavião. Tomei um baita susto
danado, quase caí da poltrona.
De repente estava
eu aqui e só agora me dei conta: era já trinta anos depois!
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