sábado, 8 de junho de 2013

LICENÇA CRÔNICA: CARLOS ALEXANDRE DA SILVA ROCHA


Carlos Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “Garantia”:

GARANTIA

Estava calmamente lixando as unhas e escutando Ravi Shankar, quando aquele homem caiu em sua mesa. Quase que o prejuízo foi grande. A bola de cristal sambou em sua haste e por pouco não caiu no chão. Depois do homem veio a mulher, nervosa e descabelada.
– Irmã Maíra, estou devolvendo!
Disse a mulher aos gritos. Irmã Maíra estava espantada e retrucou sem nada entender:
– Devolvendo o quê?

– O marido. Esqueceu? “Trago a pessoa amada em cinco dias. Com garantias”. Li, na época, o seu cartaz no ponto de ônibus.
Irmã Maíra olhou para a mulher incompreensiva. Não entendera aonde a mulher queria chegar. O trabalho não foi feito com sucesso? Seu amado marido estava de volta, em seus braços, portanto... A mulher interrompera os pensamentos da cartomante.
– Está com defeito!
– Como? – Perguntou Irmã Maíra incrédula e assustada.
– A mercadoria está em mau estado, apresenta sinais de uso no pescoço – neste momento a mulher pega os cabelos do homem e comprime a sua cabeça contra a mesa mostrando marcas roxas pelo pescoço.
– Acrescentando o fato de ter manchas de batom na cueca! – salienta triunfante a mulher.

– Mas, minha filha...
– Mas nada, Irmã Maíra, não vou ficar com marido avariado, usado e em mau estado de conservação. Saiu bom de casa, queria ele bom. Me volta com lataria arranhada... Não quero não!
Irmã Maíra levanta os ombros numa muda expressão de “problema é seu”. Franze o cenho com cara de poucos amigos e tenta esboçar uma frase que é interrompida pela mulher a gritar furiosa.
– Vou ter que fazer queixa no Procon, na polícia, sei lá?
– Não! Minha filha, não precisa tanto. Aceito a devolução.
Irmã Maíra sabia que, na sua profissão, o segredo era a única forma de se manter no negócio. No mais estavam querendo multá-la por poluição visual.

Dos males o menor, pelo menos a mulher não quis o dinheiro de volta.
Depois que a mulher saiu, Irmã Maíra pegou o homem pela gola da camisa, suspendeu, abriu a porta e o jogou escada abaixo. O porão da casa estava cheio de homens tristes. Dezenas. Todos foram devolvidos, pois apresentavam avarias por todo corpo.
A esperança da Irmã Maíra era a de que as amantes viessem para pedir o retorno dos amados. No entanto, estava certa de que não viriam. Não se fazem amores de entrega e de sofrimento como antigamente. Não se sofre mais por amor.
Tinha que retirar urgentemente a “garantia” da propaganda. 


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