Carlos
Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e
tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou,
pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente
se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa
sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos
Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô
crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira,
abaixo, a crônica “Garantia”:
GARANTIA
Estava calmamente lixando
as unhas e escutando Ravi Shankar, quando aquele homem caiu em sua mesa. Quase
que o prejuízo foi grande. A bola de cristal sambou em sua haste e por pouco
não caiu no chão. Depois do homem veio a mulher, nervosa e descabelada.
– Irmã Maíra, estou
devolvendo!
Disse a mulher aos gritos.
Irmã Maíra estava espantada e retrucou sem nada entender:
– Devolvendo o quê?
– O marido. Esqueceu?
“Trago a pessoa amada em cinco dias. Com garantias”. Li, na época, o seu cartaz
no ponto de ônibus.
Irmã Maíra olhou para a
mulher incompreensiva. Não entendera aonde a mulher queria chegar. O trabalho
não foi feito com sucesso? Seu amado marido estava de volta, em seus braços,
portanto... A mulher interrompera os pensamentos da cartomante.
– Está com defeito!
– Como? – Perguntou Irmã
Maíra incrédula e assustada.
– A mercadoria está em mau
estado, apresenta sinais de uso no pescoço – neste momento a mulher pega os
cabelos do homem e comprime a sua cabeça contra a mesa mostrando marcas roxas
pelo pescoço.
– Acrescentando o fato de
ter manchas de batom na cueca! – salienta triunfante a mulher.
– Mas, minha filha...
– Mas nada, Irmã Maíra,
não vou ficar com marido avariado, usado e em mau estado de conservação. Saiu
bom de casa, queria ele bom. Me volta com lataria arranhada... Não quero não!
Irmã Maíra levanta os
ombros numa muda expressão de “problema é seu”. Franze o cenho com cara de
poucos amigos e tenta esboçar uma frase que é interrompida pela mulher a gritar
furiosa.
– Vou ter que fazer queixa
no Procon, na polícia, sei lá?
– Não! Minha filha, não
precisa tanto. Aceito a devolução.
Irmã Maíra sabia que, na
sua profissão, o segredo era a única forma de se manter no negócio. No mais
estavam querendo multá-la por poluição visual.
Dos males o menor, pelo
menos a mulher não quis o dinheiro de volta.
Depois que a mulher saiu,
Irmã Maíra pegou o homem pela gola da camisa, suspendeu, abriu a porta e o
jogou escada abaixo. O porão da casa estava cheio de homens tristes. Dezenas.
Todos foram devolvidos, pois apresentavam avarias por todo corpo.
A esperança da Irmã Maíra
era a de que as amantes viessem para pedir o retorno dos amados. No entanto,
estava certa de que não viriam. Não se fazem amores de entrega e de sofrimento
como antigamente. Não se sofre mais por amor.
Tinha que retirar
urgentemente a “garantia” da propaganda.
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